sábado, 19 de janeiro de 2013

Digha Nikaya 3 - Ambattha Sutta

Digha Nikaya 3




Ambattha Sutta



Ambattha e o Orgulho Ferido



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1.1 Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava perambulando por Kosala com uma grande sangha de bhikkhus até que por fim acabou chegando num vilarejo brâmane denominado Icchanankala, ficando na densa floresta de Icchanankala. Naquela ocasião, o Brâmane Pokkharasati estava vivendo em Ukkhattha, uma propriedade real com muitos habitantes, rica em pastagens, árvores, rios e grãos, uma concessão real, uma doação sagrada que lhe foi dada pelo rei Pasenadi de Kosala.[1]



1.2. E Pokkharasati ouviu: “Gotama, o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, está na densa floresta de Icchanankala. E acerca desse mestre Gotama existe essa boa reputação: ‘Esse Abençoado é um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. É bom poder encontrar alguém tão nobre.’



1.3. Agora, naquela época Pokkharasati tinha um pupilo, o jovem Ambattha, que era um estudante dos Vedas, um mestre dos três Vedas com os seus mantras, liturgia, fonologia e etimologia e as histórias como quinto elemento; hábil em filologia e gramática, um perito em filosofia natural [2] e nas marcas de um grande homem, [3] reconhecido e aceito pelo seu mestre nos três Vedas, através das palavras: ‘O que eu sei, você sabe; o que você sabe, eu sei.’



1.4. E Pokkharasati disse para Ambattha: “Estimado Ambattha, Gotama o contemplativo .... está habitando na densa floresta de Icchanankala. E acerca desse mestre Gotama existe essa boa reputação ... Agora, estimado Ambattha, vá ver o contemplativo Gotama para descobrir se esse relato é correto ou não, e se o Mestre Gotama é como dizem dele. Assim conheceremos o Mestre Gotama por seu intermédio.



1.5. “Senhor, como irei descobrir se esse relato é correto ou não e se o Mestre Gotama é como dizem?”



“Estimado Ambattha, as trinta e duas marcas de um grande homem foram transmitidas através dos nossos mantras e o grande homem que as possuir tem apenas dois possíveis destinos, nenhum outro. Se ele viver a vida em família ele se tornará um regente, um monarca justo que irá governar de acordo com o Dhamma; [4] conquistador dos quatro pontos cardeais, que estabelecerá a segurança no seu reino e que possuirá os sete tesouros.[5] Que são: a Roda Preciosa, o Elefante Precioso, o Cavalo Precioso, a Jóia Preciosa, a Mulher Preciosa, o Tesoureiro Precioso e como sétimo o Conselheiro Precioso. Ele terá mais de mil filhos que serão corajosos e heróicos e que aniquilarão os exércitos inimigos. Ele governará, tendo conquistado esta terra circundada pelo mar, sem bastão ou espada, através do Dhamma. Mas se ele deixar a vida em família e seguir a vida santa, então ele se tornará um arahant, um Buda perfeitamente iluminado, aquele que remove o véu do mundo. [6] E eu, Ambatha, sou o transmissor dos mantras e você é o recebedor.



1.6. “Sim, senhor,” ele respondeu. Ele se levantou e depois de homenagear Pokkharasati, mantendo-o à sua direita, subiu na sua carruagem puxada por um jovem garanhão, acompanhado por vários jovens brâmanes, ele foi em direção à densa floresta de Icchanankala. Ele foi até onde a estrada permitia o acesso das carruagens e depois desmontou da sua carruagem e seguiu a pé.



1.7. Agora, naquela ocasião muitos bhikkhus estavam caminhando para cá e para lá ao ar livre. Então, Ambattha foi até eles e perguntou: “Veneráveis senhores, onde ele está agora, o Mestre Gotama? Nós queremos ver o Mestre Gotama.”



1.8. Os bhikkhus pensaram: “Esse Ambattha é um jovem de boa família e um pupilo do respeitado Brâmane Pokkharasati. O Abençoado não se importaria em ter uma conversa com um jovem como esse.” E eles responderam para Ambattha: “Aquela, com a porta fechada, é a moradia dele. Vá até lá em silêncio, sem pressa, entre na varanda, limpe a garganta e bata na porta. O Abençoado abrirá a porta.”



1.9. Ambattha foi até a moradia com a porta fechada, entrou na varanda, limpou a garganta e bateu na porta. O Abençoado abriu a porta, Ambattha entrou, ambos se cumprimentaram com cortesia e o Abençoado sentou a um lado. Mas Ambattha ficou caminhando para cá e para lá enquanto o Abençoado estava ali sentado, dizendo de modo indistinto algumas palavras de cortesia, ficando em pé ante o Abençoado enquanto assim falava.



1.10. E o Abençoado disse para Ambattha: “Estimado Ambattha, você se comportaria dessa forma se estivesse conversando com os veneráveis e eruditos Brâmanes, mestres de mestres, assim como você se comporta comigo, caminhando e ficando em pé enquanto eu estou sentado, e dizendo de modo indistinto algumas palavras de cortesia?”

“Não, Mestre Gotama. Um Brâmane deve caminhar com um brâmane que esteja caminhando, ficar em pé com um Brâmane que esteja em pé, sentar com um Brâmane que esteja sentado e deitar com um Brâmane que esteja deitado. Mas com relação aos contemplativos carecas, esses subalternos com a tez escura, descendentes dos pés do Ancestral, com eles é apropriado que se converse da forma como faço com o Mestre Gotama.”



1.11. “Mas, Ambattha, você veio até aqui em busca de algo. Qualquer que seja a razão pela qual você aqui veio, você deveria dar atenção para poder ouvir. Ambattha, o seu treinamento não é perfeito. A sua presunção por estar em treinamento se deve apenas à sua inexperiência.”



1.12. Ambattha ficou furioso e irritado por ter sido chamado de mal-treinado e se dirigiu ao Abençoado com insultos e grosserias. Pensando: “O contemplativo Gotama tem má vontade em relação a mim,” ele disse: “Mestre Gotama, os Sakyas são cruéis, com a linguagem grosseira, irritáveis e violentos. Tendo uma origem servil, sendo servos, eles não honram, respeitam, estimam, veneram ou homenageiam os Brâmanes. Com relação a isso não é apropriado que ... eles não homenageiem os Brâmanes.’ Essa foi a primeira vez que Ambattha acusou os Sakyas de serem servos.



1.13. “Mas, Ambattha, que mal lhe fizeram os Sakyas?”



“Mestre Gotama, certa vez fui a Kapilavatthu para tratar de negócios do meu mestre, o Brâmane Pokkharasati, indo para o salão de reuniões dos Sakyas. Naquela ocasião um grande número de Sakyas estavam sentados sobre assentos elevados no salão de reuniões, cutucando uns aos outros com os dedos, rindo e gracejando juntos, tive a impressão de que eles só estavam se divertindo às minhas custas, e ninguém me ofereceu um assento. Com relação a isso, não é apropriado que ... eles não homenageiem os Brâmanes.” Essa foi a segunda vez que Ambattha acusou os Sakyas de serem servos.



1.14. “Mas, Ambattha, até mesmo a codorna, essa pequena ave, pode piar o quanto quiser no seu próprio ninho. Kapilavatthu é o lar dos Sakyas, Ambattha. Eles não merecem censura por tão pouco.”



“Mestre Gotama, há quatro castas: [7] os Khattiyas, os Brâmanes, os comerciantes e os trabalhadores. E dessas quatro castas, três, os Khattiyas, os comerciantes e os trabalhadores, são totalmente subservientes aos Brâmanes. Com relação a isso, não é apropriado que .. eles não homenageiem os Brâmanes.” Essa foi a terceira vez que Ambattha acusou os Sakyas de serem servos.



1.15. Então, o Abençoado pensou: “Este jovem está se excedendo na ofensa aos Sakyas. E se eu lhe perguntasse o seu nome de clã?” Assim ele disse: “Ambattha, qual é o seu clã?” - “Eu sou um Kanha, Mestre Gotama.”



“Ambattha, em tempos passados, de acordo com aqueles que se recordam da linhagem ancestral, os Sakyas eram os senhores e você descende de uma escrava dos Sakyas. Pois os Sakyas consideram o Rei Okkaka como seu ancestral. Certa ocasião, o Rei Okkaka, que amava e estimava a rainha, desejando transferir o reino para o filho dela, baniu os seus irmãos mais velhos do reino - Okkamukha, Karandu, Hatthiniya e Sinipura. E estes, tendo sido banidos, se estabeleceram aos pés do Himalaia junto a uma lagoa com flores de lótus na qual havia um grande bosque de árvores teca. [8] E por temer contaminar a estirpe, eles coabitavam com as próprias irmãs. Então, o Rei Okkaka perguntou aos seus ministros e conselheiros: “Onde estão vivendo os príncipes agora?” e eles lhe disseram. Ouvindo isso o Rei Okkaka exclamou: “Eles são fortes como teca (saka), esses príncipes, eles são verdadeiros Sakyas!” E assim foi como os Sakyas obtiveram o seu conhecido nome. E o Rei foi um ancestral dos Sakyas.



1.16. “Agora, o Rei Okkaka tinha uma escrava chamada Disa, que deu à luz a um bebê negro. Esse bebê negro, ao nascer, exclamou: ‘Lave-me, mãe! Banhe-me, mãe! Livre-me dessa sujeira, assim irei lhe proporcionar muito benefício!’ Porque, Ambatha, assim como as pessoas, hoje, usam o termo demônio, (pisaca), como designação ofensiva, assim naquela época elas diziam negro, (kanha). E elas diziam: ‘Nem bem nasceu, ele falou. É um Kanha que nasceu, um negro!’ Assim em tempos passados ... os Sakyas eram os senhores e você descende de uma escrava dos Sakyas.”



1.17. Ao ouvir isso, os outros jovens disseram: “Mestre Gotama, não humilhe Ambatha com essa conversa dele ser descendente de uma escrava: Ambatha é bem nascido, de boa família, ele é muito estudado, bom orador, um erudito, capaz de se sair muito bem numa discussão com o Mestre Gotama!”



1.18. Então, o Abençoado disse para esses jovens: “Se vocês consideram que Ambattha é malnascido, não é de boa família, não é estudado, orador medíocre, não é um erudito, incapaz de se sair muito bem numa discussão com o Mestre Gotama, então deixem que Ambattha permaneça em silêncio, vocês discutirão comigo. Mas se vocês pensam que ele é ... capaz de se sair muito bem numa discussão com o Mestre Gotama, então deixem que ele discuta comigo.”



1.19. “Ambattha é bem nascido, Mestre Gotama ... Nós ficaremos em silêncio, ele prosseguirá.”



1.20. Então, o Abençoado disse para Ambattha: “Ambattha, eu lhe farei uma pergunta que você talvez não queira responder. Se você não responder ou evadir o assunto, ou ficar em silêncio, ou for embora, a sua cabeça irá se partir em sete pedaços. O que você pensa Ambattha? Você ouviu de veneráveis anciãos Brâmanes, mestres de mestres, de onde vieram os Kanhas, quem era o ancestral deles?” Nisso, Ambattha permaneceu em silêncio. O Abençoado perguntou uma segunda vez. Novamente Ambattha permaneceu em silêncio e o Abençoado disse: “Responda agora, Ambattha, agora não é o momento de ficar em silêncio. Se alguém for questionado com uma pergunta razoável pela terceira vez pelo Tathagata e ainda assim não responder, a sua cabeça se partirá em sete pedaços no mesmo instante. [9]



1.21. Agora, naquele momento o yakkha Vajirapani [10] segurando nas mãos um raio de ferro em chamas, incandescente e brilhante, apareceu no ar sobre a cabeça de Ambattha, pensando: “Se esse jovem Ambattha, que foi questionado com uma pergunta razoável pela terceira vez pelo Tathagata, ainda assim não responder, partirei a sua cabeça em sete pedaços neste instante.” O Abençoado viu Vajirapani e Ambattha também o viu. Então, Ambattha ficou amedrontado, alarmado e aterrorizado. Buscando abrigo, proteção e refúgio no Abençoado, ele disse: “Pergunte, Mestre Gotama, eu responderei.”

“O que você pensa Ambattha? Você ouviu quem era o ancestral dos Kanhas?”

“Sim, eu ouvi tal qual foi dito pelo Mestre Gotama, essa é a origem dos Kanhas, aquele foi o ancestral deles.”



1.22. Ao ouvir isso, os demais jovens fizeram ruído e vociferaram: “Então, Ambattha é malnascido, não é de boa família, nascido de uma escrava dos Sakyas, e os Sakyas são os senhores de Ambattha! Nós menosprezamos o contemplativo Gotama, pensando que ele não falava a verdade!”



1.23. Então, o Abençoado pensou: “É excessiva a forma como esses jovens estão humilhando Ambattha por este ser o filho de uma escrava. Devo ajudá-lo a sair disso.” Assim, ele disse para aqueles jovens: “Não menosprezem Ambattha em demasia por ele ser o filho de uma escrava! Aquele Kanha era um sábio poderoso. [11] Ele foi para o sul, [12] aprendeu os mantras com os Brâmanes de lá e depois foi até o Rei Okkaka e pediu a filha dele, Maddarupi, em casamento. O Rei Okkaka, furiosamente enraivecido, exclamou: ‘Então esse sujeito, filho de uma escrava, quer a minha filha!’ e colocou uma flecha no arco. Mas ele foi incapaz de disparar a flecha ou de removê-la. [13] Então, os ministros e conselheiros foram até o sábio Kanha e disseram: ‘Poupe o rei, Venerável Senhor, poupe o rei!’



‘O rei estará a salvo, mas se ele disparar a flecha para baixo, a terra irá tremer em toda a extensão do reino.”



‘Venerável Senhor, poupe o rei, poupe o reino!’



‘O rei e o reino estarão salvos, mas se ele disparar a flecha para cima, em toda a extensão do reino os devas não permitirão que a chuva caia por sete anos.’ [14]



‘Venerável Senhor, poupe o rei e o reino, e que os devas da chuva façam chover!’



‘O rei e o reino estarão salvos e os devas da chuva farão chover, mas se o rei apontar a flecha para o príncipe herdeiro, o príncipe estará completamente a salvo.’



Então os ministros exclamaram: ‘Que o Rei Okkaka aponte a flecha para o príncipe herdeiro, o príncipe estará completamente a salvo!’ O rei assim fez, e o príncipe ficou ileso. Então, o Rei Okkaka, aterrorizado e temeroso do castigo divino, [15] deu a sua filha Maddarupi em casamento. Portanto, jovens, não menosprezem Ambattha em demasia por ser um filho de uma escrava! Aquele Kanha era um sábio poderoso.”



1.24. Então, o Abençoado disse: “Ambattha, o que você pensa? Suponha que um jovem Khattiya se casasse com uma jovem Brâmane, e um filho nascesse dessa união. Esse filho de um jovem Khattiya e uma jovem Brâmane receberia um assento e água dos Brâmanes?” - “Ele receberia, Mestre Gotama.”



“Eles permitiriam que ele participasse nos banquetes nas cerimonias funerárias ou nos alimentos cozidos no leite, ou nas oferendas para os devas, ou nos sacrifícios?” - “Eles permitiriam, Mestre Gotama.”



“Eles ensinariam para ele os mantras ou não?” - “Eles ensinariam, Mestre Gotama.”



“Eles manteriam as suas esposas cobertas ou descobertas?” - “Descobertas, Mestre Gotama.”



“Mas os Khattiyas permitiriam que ele recebesse a consagração Khattiya?” - “Não, Mestre Gotama.”



“Porque não?” - “Porque, Mestre Gotama, ele não é bem-nascido por parte da mãe.”



1.25. “O que você pensa, Ambattha? Suponha que um jovem Brâmane se casasse com uma jovem Khattiya, e um filho nascesse dessa união. Esse filho de um jovem Brâmane e uma jovem Khattiya receberia um assento e água dos Brâmanes?” - “Ele receberia, Mestre Gotama.” ... (igual ao verso 24) “Mas os Khattiyas permitiriam que ele recebesse a consagração Khattiya?” - “Não, Mestre Gotama.”



“Porque não?” - “Porque, Mestre Gotama, ele não é bem-nascido por parte do pai.”



1.26. “Portanto Ambattha, quer seja comparando um homem com um homem ou uma mulher com uma mulher, os Khattiyas são superiores e os Brâmanes são inferiores. O que você pensa, Ambattha? Suponha que um certo Brâmane, por ter cometido alguma ofensa, tenha sido declarado pelos Brâmanes como um fora-da-lei, tendo a cabeça raspada, com cinzas espalhadas sobre a cabeça, sendo banido do país ou cidade. Ele receberia um assento e água dos Brâmanes?” - “Não, Mestre Gotama.”



“Eles permitiriam que ele participasse ... nos sacrifícios?” - “Não, Mestre Gotama.”



“Eles lhe ensinariam os mantras ou não?” - “Eles não ensinariam, Mestre Gotama.”



“Eles manteriam as suas esposas cobertas ou descobertas?” - “Cobertas, Mestre Gotama.”



1.27. “Mas o que você pensa, Ambattha? Se os Khattiyas tivessem do mesmo modo declarado um Khattiya como um fora-da-lei ... banido do país ou cidade, ele receberia um assento e água dos Brâmanes?” - “Ele receberia, Mestre Gotama.” ... (igual ao verso 24) “Eles manteriam as suas esposas cobertas ou descobertas?” - “Descobertas, Mestre Gotama.”



“E esse Khattiya teria sofrido a mais extrema humilhação ao ser declarado como um fora-da-lei ... banido do país ou cidade. Portanto, mesmo que um Khattiya tenha sofrido a mais extrema humilhação, ainda assim ele é superior e os Brâmanes são inferiores.



1.28. “Ambattha, estes versos foram recitados pelo Brahma Sanankumara:



‘Os khattiya são os melhores dentre as pessoas

para aqueles cujo padrão é o clã,

mas aquele com a conduta e o conhecimento consumados

é o melhor dentre devas e humanos.’[a]



Esses versos foram recitados da forma correta, não incorreta, ditos da forma correta, não incorreta, conectados com o benéfico, não desconectados. E, Ambattha, eu também digo isso:



Os khattiya são os melhores dentre as pessoas

para aqueles cujo padrão é o clã,

mas aquele com a conduta e o conhecimento consumados

é o melhor dentre devas e humanos.”



[Fim da primeira seção]



2.1. “Mas, Mestre Gotama, o que é essa conduta, o que é esse conhecimento?”



“Ambattha, com relação à suprema conduta-e-conhecimento não há nenhuma referência à questão do nascimento ou do clã, ou à presunção que diz: ‘Você é tão digno quanto eu sou, você não é tão digno quanto eu sou!’ Onde há conversa sobre um matrimônio, sobre dar em casamento, é que há referência a esse tipo de coisa. Pois todo aquele, Ambattha, que está escravizado à noção de nascimento ou de clã, ou ao orgulho de uma posição social, ou de parentesco através do casamento, está muito distante da suprema conduta-e-conhecimento. Só com o abandono desses vínculos é que alguém pode compreender por si mesmo a suprema conduta-e-conhecimento.”



2.2 “Mas, Mestre Gotama, o que é essa conduta, o que é esse conhecimento?”



“Ambattha, um Tathagata surge no mundo, um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. Um discípulo segue a vida santa e pratica a virtude (veja o DN 2, versos 41-62); ele guarda as portas dos meios dos sentidos, etc. (veja o DN 2, versos 64-74); alcança os quatro jhanas (veja o DN 2, versos 75-82). Assim ele desenvolve a conduta. Ele realiza vários insights, (veja o DN 2, versos 83-95), e a destruição das impurezas (veja o DN 2, versos 97 ) ... E além disso, não há nenhum desenvolvimento adicional de conhecimento e conduta que seja mais elevado ou mais perfeito.



2.3. “Mas, Ambattha, no desenvolvimento da suprema conduta-e-conhecimento há quatro caminhos que levam ao fracasso. Quais são esses? Em primeiro lugar, um contemplativo ou Brâmane que ainda não logrou alcançar a suprema conduta-e-conhecimento, toma o seu bastão de carga [16] e mergulha nas profundezas da floresta pensando: ‘A partir de agora serei um daqueles que vive apenas das frutas caídas.’ Mas assim, deveras, ele só se torna digno de ser um servente daquele que já alcançou a suprema conduta-e-conhecimento. Esse é o primeiro caminho que leva ao fracasso. Outra vez, um contemplativo ou Brâmane que ainda não logrou alcançar a suprema conduta-e-conhecimento, sendo incapaz de viver apenas das frutas caídas, toma uma pá e um cesto e mergulha nas profundezas da floresta pensando: ‘A partir de agora serei um daqueles que vive apenas de raízes e tubérculos.’ [17] Mas assim, deveras, ele só se torna digno de ser um servente daquele que já alcançou a suprema conduta-e-conhecimento. Esse é o segundo caminho que leva ao fracasso. Outra vez, um contemplativo ou Brâmane que ainda não logrou alcançar a suprema conduta-e-conhecimento, sendo incapaz de viver apenas das frutas caídas, sendo incapaz de viver de raízes e tubérculos, prepara um santuário para o fogo, próximo a um vilarejo ou vila, e ali permanece servindo ao fogo.[18] Mas assim, deveras, ele só se torna digno de ser um servente daquele que já alcançou a suprema conduta-e-conhecimento. Esse é o terceiro caminho que leva ao fracasso. Outra vez, um contemplativo ou Brâmane que ainda não logrou alcançar a suprema conduta-e-conhecimento, sendo incapaz de viver apenas das frutas caídas, sendo incapaz de viver de raízes e tubérculos, sendo incapaz de servir ao fogo, constrói uma casa com quatro portas numa encruzilhada pensando: ‘Qualquer contemplativo ou Brâmane que venha dos quatro pontos cardeais, eu irei serví-lo e honrá-lo da melhor forma que possa.’ Mas assim, deveras, ele só se torna digno de ser um servente daquele que já alcançou a suprema conduta-e-conhecimento. Esse é o quarto caminho que leva ao fracasso.



2.4. “O que você pensa, Ambattha? Você e o seu mestre vivem de acordo com a suprema conduta-e-conhecimento?” - “De fato não, Mestre Gotama! Quem em comparação somos meu mestre e eu? Nós estamos distantes disso!”



“Muito bem, Ambattha, então você e o seu mestre, incapazes de alcançar a suprema conduta-e-conhecimento, poderiam ir com os seus bastões de carga e mergulhar nas profundezas da floresta, com a intenção de viver das frutas caídas?” - “De fato não, Mestre Gotama.”



“Muito bem, Ambattha, então você e o seu mestre, incapazes de alcançar a suprema conduta-e-conhecimento ... viver de raízes e tubérculos ... servir ao fogo ... construir uma casa ... ?” - “De fato não, Mestre Gotama.”



2.5. “Portanto, Ambattha, não só você e o seu mestre são incapazes de alcançar a suprema conduta-e-conhecimento, mas mesmo os quatro caminhos que levam ao fracasso estão além do seu alcance. E no entanto, você e o seu mestre, o Brâmane Pokkharasati, dizem estas palavras: ‘Esses contemplativos carecas, esses subalternos com a tez escura, descendentes dos pés do Ancestral, que conversa podem eles ter com os Brâmanes estudados nos Três Vedas?’ – muito embora você mesmo não seja capaz nem de dar conta das tarefas de alguém que fracassou. Veja, Ambattha, como o seu mestre o iludiu!



2.6. “Ambattha, o Brâmane Pokkharasati vive da generosidade e favor do Rei Pasenadi de Kosala. E no entanto, o Rei não permite que ele tenha uma audiência face a face. Quando conversa com o Rei ele assim o faz por trás de uma cortina. Com pode ser, Ambattha, que o mesmo Rei, de quem ele aceita essa renda legal e honesta, o Rei Pasenadi de Kosala, não o receba pessoalmente? Veja, Ambattha, como o seu mestre o iludiu!



2.7. “O que você pensa, Ambattha? Suponha que o Rei Pasenadi de Kosala estivesse montado num elefante ou num cavalo, ou na sua carruagem, em conferência com os seus ministros e príncipes sobre algum assunto. E suponha que o Rei se afastasse e um trabalhador ou o escravo de algum trabalhador viesse e, ficando ali em pé, dissesse: ‘Isto é o que o Rei Pasenadi de Kosala diz!’ Embora ele possa falar como o Rei falou ou discutir como o Rei discutiu, ele por isso seria o Rei ou mesmo um dos ministros do Rei?” - “Com certeza não, Mestre Gotama.”



2.8. “Bem então, Ambattha, é exatamente a mesma coisa. Aqueles que foram, como você diz, os antigos brâmanes videntes, os criadores dos mantras, os compositores dos mantras antigos que antigamente eram recitados, falados e compilados, e que ainda hoje os brâmanes recitam e repetem, repetindo o que foi dito e recitando o que foi recitado – isto é, Atthaka, Vamaka, Vamadeva, Vessamitta, Yamataggi, Angirasa, Bharadvaja, Vasettha, Kassapa e Bhagu [19] – e cujos mantras se diz foram passados para o seu mestre e para você: no entanto, através disso você não se torna um sábio ou alguém que tenha habilidade no caminho de um sábio – tal coisa não é possível.



2.9. “O que você pensa, Ambattha? O que você ouviu ter sido dito pelos Brâmanes que são veneráveis, anciãos, os mestres dos mestres? Esses antigos brâmanes videntes ... Atthaka, ... Bhagu – eles desfrutavam banhados, perfumados, com o cabelo e barba aparados, enfeitados com grinaldas e coroas de flores, vestidos de branco, entregando-se aos prazeres dos cinco sentidos, assim como você e seu mestre agora fazem?” - “Não, Mestre Gotama.”



2.10. “Ou eles comiam um arroz de primeira e muitos tipos de molhos e tipos de caril, assim como você e seu mestre agora fazem?” - “Não, Mestre Gotama.”



“Ou eles se divertiam com mulheres enfeitadas com toucados, colares e longas saias, assim como você e seu mestre agora fazem?” - “Não, Mestre Gotama.”



“Ou eles passeavam em carruagens puxadas por garanhões com os rabos e crinas trançadas, incitando-os com longas aguilhadas?” - “Não, Mestre Gotama.”



“Ou eles se mantinham guardados em cidades fortificadas com estacas e valas, protegidos por homens com longas espadas ... ?” - “Não, Mestre Gotama.”



“Portanto, Ambattha, nem você e tampouco o seu mestre são sábios, ou vivem de acordo com as condições que os sábios viviam. Mas com relação às suas dúvidas e perplexidades no que diz respeito a mim, você pode me perguntar que eu irei esclarecê-las.”



2.11 Então, saindo da sua moradia, o Abençoado começou a andar para cá e lá e Ambattha fez o mesmo. E enquanto andava com o Abençoado, Ambattha procurou pelas trinta e duas marcas de um Grande Homem no corpo do Abençoado. E ele pode ver todas exceto duas. Ele ficou em dúvida e não podia ter certeza sobre duas dessas marcas, e não pôde chegar a uma conclusão sobre elas: sobre a genitália contida numa bainha e sobre o tamanho da língua.



2.12. Então, ocorreu ao Abençoado que: “Ambattha vê mais ou menos as trinta e duas marcas de um Grande Homem no meu corpo, exceto duas; ele tem dúvida e incerteza sobre duas dessas marcas e não pode chegar a uma conclusão sobre elas: sobre a genitália contida numa bainha e sobre o tamanho da língua.” Então, o Abençoado através dos seus poderes supra-humanos fez com que Ambattha pudesse ver a sua genitália contida numa bainha. Em seguida, o Abençoado esticou a língua para fora, lambendo ambas as orelhas e ambas as narinas e depois cobriu toda a extensão da sua testa com a língua. Então, Ambattha pensou: “O contemplativo Gotama é dotado de todas as trinta e duas marcas de um Grande Homem, completas, sem faltar nenhuma.” Assim, ele disse para o Abençoado: “Mestre Gotama, posso ir agora? Eu tenho muitos afazeres, muitas coisas para tratar.” - “Ambattha, faça aquilo que você julgar adequado.” Em seguida, Ambattha montou na carruagem puxada por um jovem garanhão e partiu.



2.13. Nesse ínterim, o Brâmane Pokkharasati estava sentado no seu parque com um grande número de Brâmanes, apenas esperando por Ambattha. Então, Ambattha chegou no parque e foi até onde a estrada permitia o acesso das carruagens e depois desmontou da sua carruagem e seguiu a pé até onde se encontrava Pokkharasati, cumprimentando-o e sentando a um lado. Então Pokkharasati disse:



2.14. “Bem, estimado jovem, você viu o Mestre Gotama?” - “Eu vi, senhor.”



“O relato sobre o Mestre Gotama é correto ou não, o Mestre Gotama é como dizem?” - “O relato sobre o Mestre Gotama é correto, não incorreto; e o Mestre Gotama é como dizem, não de outra forma. Ele possui as trinta e duas marcas de um Grande Homem.”



“Mas houve alguma conversa entre você e o contemplativo Gotama?” - “Houve, senhor.”



“E sobre o que foi a conversa?” Assim, Ambattha relatou a Pokkharasati tudo que havia ocorrido entre e ele e o Abençoado.



2.15. Em vista disso Pokkharasati exclamou: “Bem, que belo pequeno erudito, que belo homem sábio, que belo experto nos Três Vedas! Qualquer um que trate dos seus assuntos dessa forma deve com a dissolução do corpo, após a morte, renascer num estado de privação, num destino infeliz, no inferno! Você encheu o Venerável Gotama de insultos e como resultado disso ele apresentou mais e mais coisas contra nós! Você é um belo pequeno erudito ... !” Ele estava tão furioso e enraivecido que chutou Ambattha e queria de uma vez ir ver o Abençoado.



2.16. Mas os Brâmanes disseram: “É demasiado tarde, senhor, para ir ver hoje o Contemplativo Gotama. O Venerável Pokkharasati deve ir vê-lo amanhã.”



Então, Pokkharasati, tendo preparado vários tipos de boa comida na sua casa, saiu iluminado por tochas de Ukkattha para a floresta de Icchanankala. Ele foi até onde a estrada permitia o acesso das carruagens e depois desmontou da sua carruagem e seguiu a pé até onde se encontrava o Abençoado e ambos se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado, ele sentou a um lado e disse:



2.17. “Venerável Gotama, o nosso pupilo Ambattha veio vê-lo?” - “Ele veio, Brâmane.” - “E houve uma conversa entre vocês?” - “Sim houve.” - “E a respeito do que foi essa conversa?”



Então, o Abençoado relatou a Pokkharasati tudo que havia acontecido entre ele e Ambattha. Em vista disso, Pokkharasati disse para o Abençoado: “Venerável Gotama, Ambattha é um jovem tolo. Que o Venerável Gotama o perdoe.” - “Brâmane, que Ambattha seja feliz.”



2.18-19. Então, Pokkharasati procurou pelas trinta e duas marcas de um Grande Homem no corpo do Abençoado. E ele pode ver todas exceto duas. Ele ficou em dúvida e não podia ter certeza sobre duas dessas marcas, e não pôde chegar a uma conclusão sobre elas: sobre a genitália contida numa bainha e sobre o tamanho da língua; mas o Abençoado pacificou a mente dele com relação a isso (igual aos versos 11-12). E Pokkharasati disse para o Abençoado: “Que o Venerável Gotama aceite de mim hoje uma refeição junto com a Sangha dos bhikkhus!” E o Abençoado concordou em silêncio.



2.20. Então, sabendo que o Abençoado havia concordado, Pokkharasati, fez com que se anunciasse a hora para o Abençoado: “É hora, Mestre Gotama, a refeição está pronta.” E o Abençoado carregando a sua tigela e o manto externo, foi com a Sangha dos bhikkhus até a casa de Pokkharasati e sentou num assento que havia sido preparado. Então, com as próprias mãos Pokkharasati serviu e satisfez o Abençoado com os vários tipos de boa comida, e os jovens brâmanes serviram os bhikkhus. Em seguida, quando o Abençoado havia terminado de comer e retirado a mão da sua tigela, Pokkharasati sentou a um lado, num assento mais baixo.



2.21 Então, o Abençoado transmitiu o ensino gradual ao Brâmane Pokkharasati, isto é, ele falou sobre a generosidade, sobre a virtude, sobre o paraíso; ele explicou o perigo, a degradação e as contaminações dos prazeres sensuais e as vantagens da renúncia. Quando ele percebeu que a mente do Brâmane Pokkharasati estava pronta, receptiva, livre de obstáculos, jubilosa e luminosa, ele explicou o ensinamento particular dos Budas: o sofrimento, a sua origem, a sua cessação e o caminho. Tal qual um pano limpo, com todas as manchas removidas, irá absorver um corante de modo adequado, assim também, enquanto o Brâmane Pokkharasati estava ali sentado, a visão imaculada do Dhamma surgiu nele: “Tudo que está sujeito ao surgimento está sujeito à cessação.”



2.22. E Pokkharasati, tendo visto o Dhamma, realizado o Dhamma, compreendido o Dhamma, examinado a fundo o Dhamma, superou a dúvida, eliminou a perplexidade, obteve a intrepidez e se tornou independente dos outros na Revelação do Mestre, dizendo: “Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! O Mestre Gotama esclareceu o Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Eu, junto com meu filho, minha esposa, meus ministros e conselheiros, buscamos refúgio no Mestre Gotama, no Dhamma e na Sangha dos bhikkhus. [20] Que o Mestre Gotama nos aceite como discípulos leigos que nele buscaram refúgio para o resto da vida. E sempre que o Venerável Gotama visitar outras famílias e discípulos leigos em Ukkattha, que ele também visite a família de Pokkharasati! Qualquer jovem brâmane que ali se encontre irá então homenagear e reverenciar o Venerável Gotama, arrumará para ele um assento e água, e se sentirá feliz por isso; e isso será para o benefício dele por muito tempo.”



“Muito bem dito, Brâmane.”









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Notas:



[1] Uma frase padrão que aparece com freqüência nos suttas, tal como no DN 4.1, 5.1, MN 95.1, etc. [Retorna]



[2] Outra frase padrão. [Retorna]



[3] As trinta e duas marcas são o objeto do Lakkhana Sutta, DN 30. Nesse sutta cada uma das marcas é explicada como o fruto de kamma de uma virtude em particular aperfeiçoada pelo Buda durante as suas existências anteriores como um bodisatva. Claramente elas são importantes para os Brâmanes para estabelecer as credenciais do ‘contemplativo Gotama.’ Veja também o MN 91. [Retorna]



[4] Veja DN 17.[Retorna]



[5] Veja DN 17.[Retorna]



[6] MA: O mundo, envelopado pela obscuridade das contaminações, está coberto por sete véus: cobiça, raiva, delusão, presunção, idéias, ignorância e conduta imoral. Tendo já removido esses véus, o Buda permanece irradiando luz por todos os lados.[Retorna]



[7] Esta divisão em quatro grupos mostra um estágio inicial do sistema de castas. Na época do Buda, na sua terra natal, os Khattiyas, (Nobres guerreiros), aos quais ele pertencia, ainda constituíam a primeira casta, com os Brâmanes em segundo lugar, embora estes últimos já tivessem se estabelecido como a casta superior nas regiões mais a oeste e estavam claramente lutando por esta posição na terra natal do Buda. O Buda com freqüência se refere a um agrupamento distinto: Khattiyas, Brâmanes, chefes de família e contemplativos. [Retorna]



[8] Sakasanda. A palavra saka também pode significar ‘erva,’ mas neste caso com certeza tem o outro significado de ‘teca.’ [Retorna]



[9] Uma ameaça curiosa que nunca é concretizada e deve certamente ser pré-Budista. [Retorna]



[10] Este yakkha, equiparado a Indra no DA, está preparado, igual ao MN 35.14, para concretizar a ameaça. Dessa forma, uma das antigas divindades é vista apoiando a nova religião. Em textos Mahayana encontramos um Bodisatva com o mesmo nome. [Retorna]



[11] Isi (em Sânscrito rsi, ocidentalizado como ‘rishi’). Deve ele ser identificado com Krishna (Sânscrito Krsna = Pali Kanha)?[Retorna]



[12] Dakkhina janapada: ocidentalizado como Deccan.[Retorna]



[13] De acordo com o DA, este era chamado o ‘feitiço Ambattha’.[Retorna]



[14] Um blefe de acordo com DA: na verdade o feitiço era capaz apenas de evitar que a flecha fosse disparada.[Retorna]



[15] Brahmadanda: ‘castigo extremo’ (com um outro significado no DN 16.6.4).[Retorna]



[a] Veja o SN VI.11. [Retorna]



[16] Um bastão ou canga para carregar os pertences.[Retorna]



[17] Isto é, cavando as raízes e tubérculos, algo que o primeiro não fez.[Retorna]



[18] O fogo sagrado, ou talvez Aggi (Agni) o deus do fogo.[Retorna]



[19] Os antigos rishis associados com os mantras dos Vedas (de acordo com o DN 13.13). Com relação ao que segue veja também o DN 27.22. [Retorna]



[20] Pokkharasati ao que parece não havia consultado a esposa, família e dependentes. Quando Uruvela-Kassapa quis juntar-se à Sangha, o Buda fez com que ele primeiro consultasse os seus 500 discípulos. Mas é lógico que há uma grande diferença entre tornar-se um discípulo leigo e juntar-se à Sangha. [Retorna]

Digha Nikaya 2 - Samaññaphala Sutta

Digha Nikaya 2




Samaññaphala Sutta



Os Frutos da Vida Contemplativa



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Introdução de Thanissaro Bhikkhu



Este discurso é uma das obras primas do Cânone em Pali. O que é apresentado é um retrato abrangente do método de treinamento Budista, com a ilustração de cada estágio do treinamento com vívidos símiles. Esse retrato é colocado em justaposição com a visão Budista dos ensinamentos de mestres filosóficos rivais da época, mostrando como o Buda - contrariamente à abordagem inflexível e sectária dos seus contemporâneos - apresenta os seus ensinamentos de uma forma que é pertinente e sensível às necessidades dos seus ouvintes. Esse retrato mais amplo do contexto intelectual da Índia nesse período inicial do Budismo é então apresentado como uma narrativa: a triste história do rei Ajatasattu.



Ajatasattu era o filho do rei Bimbisara de Magadha, um dos primeiros discípulos do Buda. Encorajado por Devadatta - o primo do Buda, que queria usar o apoio de Ajatasattu na sua tentativa de tomar a posição do Buda como chefe da Sangha - Ajatasattu organizou a morte do próprio pai de forma que ele pudesse assegurar sua própria subida ao trono. Como resultado dessa má ação, ele estava destinado a não somente ser morto por seu próprio filho - Udayibhadda (mencionado no discurso) - mas também de imediatamente renascer em uma das regiões inferiores do inferno.



Neste discurso, Ajatasattu visita o Buda na esperança de que este possa trazer um pouco de paz para a sua mente. A questão que ele coloca para o Buda mostra o limitado nível do seu próprio entendimento, dessa forma o Buda pacientemente descreve os passos do treinamento, começando pelo nível mais básico e gradualmente evoluindo, como uma forma de ampliar o horizonte espiritual do rei. Ao final do discurso, Ajatasattu toma refúgio na Jóia Tríplice. Embora as ações praticadas anteriormente eram tão pesadas que essa expressão de fé poderia ter uma conseqüência apenas limitada no presente imediato, o comentário assegura que a história do rei acabaria tendo um final feliz. Após a morte do Buda, ele patrocinou o Primeiro Concílio, no qual um congresso de arahants produziu o primeiro conjunto padronizado dos ensinamentos do Buda. Como resultado do mérito proveniente desse ato, Ajatasattu estava destinado - após a sua libertação do inferno - a alcançar a Iluminação como um Paccekabuddha.









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1. Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Rajagaha, no manguezal de Jivaka Komarabhacca [1]com uma grande Sangha de bhikkhus - 1.250 bhikkhus no total. Agora naquela ocasião, sendo o Uposatha do décimo quinto dia [2], a noite de lua cheia no quarto mês[3], chamado Komudi [4] - o rei Ajatasattu Vedehiputta de Magadha [5], estava sentado no terraço no topo do seu palácio cercado pelos seus ministros. Então ele sentiu inspiração para exclamar: “Que maravilhosa é esta noite iluminada pela lua! Que bonita ... Que agradável ... Que inspiradora ... Que auspiciosa é esta noite iluminada pela lua! Qual brâmane ou contemplativo deveríamos visitar esta noite que possa iluminar e trazer paz para os nossos corações?” [6]



2. Quando isto foi dito, um dos ministros disse ao rei: “Majestade, aí está Purana Kassapa, o líder de uma comunidade, o líder de um grupo, o mestre de um grupo, honrado e famoso, estimado como santo pelas pessoas. Ele é idoso, adotou a vida santa há muito tempo, com a idade avançada, na sua última fase da vida. Você deveria visitá-lo. Talvez, se você o visitasse, ele pudesse iluminar e trazer paz para o seu coração.” Quando isso foi dito, o rei permaneceu em silêncio.



3-7. Então um outro ministro disse ao rei: “Majestade, aí está Makkhali Gosala ...” “Majestade, aí está Ajita Kesakambala ...” “Majestade, aí está Pakudha Kaccayana ...” “Majestade, aí está Sañjaya Belatthaputta ...” “Majestade, aí está Nigantha Nataputta, o líder de uma comunidade, o líder de um grupo, o mestre de um grupo, honrado e famoso, estimado como santo pelas pessoas. Ele é idoso, adotou a vida santa há muito tempo, com a idade avançada, na sua última fase da vida. Você deveria visitá-lo. Talvez, se você o visitasse, ele pudesse iluminar e trazer paz para o seu coração.” Quando isso foi dito, o rei permaneceu em silêncio.



8. Todo esse tempo Jivaka Komarabhacca estava sentado em silêncio não muito distante do rei. Assim o rei lhe disse: “Amigo Jivaka, por que você esta silencioso?”



“Majestade, aí está o Abençoado, o Arahant, o Buda perfeitamente iluminado, ele está no meu manguezal com uma grande Sangha de bhikkhus - 1.250 no total. E acerca desse mestre Gotama existe essa boa reputação: ‘Esse Abençoado é um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, [7] mestre de devas e humanos, desperto, sublime.’ Você deveria visitá-lo. Talvez se você o visitasse, ele pudesse iluminar e trazer paz para o seu coração.”



“Então nesse caso, amigo Jivaka, prepare os elefantes de montaria.”



9. Tendo respondido, “Assim seja, majestade,” e após preparar quinhentas elefantas bem como o elefante pessoal do rei, Jivaka anunciou para o rei: “Majestade, os elefantes de montaria estão preparados. Faça como julgar adequado.”



Então o rei, tendo quinhentas das suas mulheres montadas nas quinhentas elefantas - uma em cada - e tendo montado o seu elefante real, saiu de Rajagaha com toda a pompa da realeza, com criados carregando tochas, na direção do manguezal de Jivaka Komarabhacca.



10. Porém quando o rei estava não muito distante do manguezal, ele foi tomado pelo medo, terror, o seu cabelo em pé. Temeroso, agitado, seu cabelo em pé, ele disse para Jivaka Komarabhacca: “Amigo Jivaka, você não está me enganando, está? Você não está me traindo, está? Você não está me entregando para meus inimigos, está? Como pode haver uma comunidade de bhikkhus tão grande - 1.250 no total - sem nenhum ruído de espirros, nenhum ruído de tosse, sem qualquer ruído de vozes?”



“Não tema, grande rei. Não tema. Eu não o estou enganando ou traindo ou entregando aos seus inimigos. Vá em frente, grande rei, vá em frente! Aquelas são lâmpadas ardendo no pavilhão.”



11. Então o rei, foi até onde a estrada permitia o acesso dos elefantes e depois desmontou e se aproximou da porta do pavilhão a pé. Chegando, ele perguntou a Jivaka: “Aonde, amigo Jivaka, está o Abençoado?”



“Aquele é o Abençoado, grande rei, sentado contra o pilar do meio, cercado pela comunidade de bhikkhus.”



12. Então o rei se aproximou do Abençoado e permaneceu em pé a um lado. Enquanto estava ali em pé - inspecionando a comunidade de bhikkhus sentada em absoluto silêncio, calma como um lago - ele se sentiu inspirado para exclamar: “Que o meu filho, Príncipe Udayibhadda, desfrute da mesma paz que esta comunidade de bhikkhus agora desfruta!"



[O Abençoado disse:] “Você veio, grande rei, junto com aqueles por quem você tem afeto?”



“Venerável senhor, meu filho, Príncipe Udayibhadda,[8] é muito querido. Que ele desfrute a mesma paz que esta comunidae de bhikkhus agora desfruta!”



13. Então, curvando-se ante o Abençoado, e saudando a comunidade de bhikkhus com as suas mãos postas, ele sentou a um lado e disse para o Abençoado: “Eu gostaria de perguntar ao Abençoado acerca de um certo assunto, se ele me desse a oportunidade de explicar minha questão.”



“Pergunte, grande rei, o que você quiser.”



(A Pergunta do Rei)



14. “Venerável senhor, existem estes especialistas: treinadores de elefantes, treinadores de cavalos, condutores de carruagens, arqueiros, porta-estandartes, marechais de campo, oficiais do grupo de abastecimento, oficiais reais de alto escalão, comandos, heróis militares, guerreiros com armaduras, guerreiros com vestimentas de couro, escravos domésticos, confeiteiros, barbeiros, banhistas, cozinheiros, artesões de grinaldas, lavadeiras, tecelões, cesteiros, oleiros, aritméticos, contadores, e qualquer outro especialista semelhante. Eles vivem dos frutos do seu ofício, visíveis no aqui e agora. Eles mantêm a si mesmos e aos seus pais, esposa e filhos, amigos e colegas, com conforto e felicidade. Eles dão excelentes oferendas, para brâmanes e contemplativos, que os conduzem ao paraíso, contribuem para a sua felicidade, têm a bem-aventurança como resultado. É possível, venerável senhor, apontar um fruto similar da vida contemplativa, visível no aqui e agora?”



15. “Você se recorda, grande rei, de alguma vez ter perguntado isto a outros brâmanes ou contemplativos?”



“Sim, eu me lembro.”



“Se não for um problema para você, como eles responderam?”



“Não, não é um problema responder ao Abençoado, ou alguém como o Abençoado.”



“Então fale, grande rei.”



16. “Certa vez, venerável senhor eu fui até Purana Kassapa [9] e, chegando, nos cumprimentamos. Após a troca de saudações amigáveis e corteses, senei a um lado e perguntei: ‘Venerável Kassapa, existem estes especialistas ... Eles vivem dos frutos do seu trabalho, visível no aqui e agora ... É possível, venerável senhor, apontar um fruto similar da vida contemplativa, visível no aqui e agora?’



17. “Quando isto foi dito, Purana Kassapa me disse, ‘Grande rei, agindo ou fazendo com que outros ajam, mutilando ou fazendo com que outros mutilem, torturando ou fazendo com que outros torturem, causando sofrimento ou fazendo com que outros causem sofrimento, atormentando ou fazendo com que outros atormentem, intimidando ou fazendo com que outros intimidem, matando, tomando o que não é dado, arrombando casas, pilhando riquezas, roubando, emboscando nas estradas, cometendo adultério, dizendo mentiras - a pessoa não faz o mal. Se com uma lâmina afiada como uma navalha alguém convertesse todos os seres vivos sobre a terra em um único amontoado de carne, uma única pilha de carne, não haveria mal por essa causa, nenhum resultado do mal. Mesmo se alguém fosse ao longo da margem direita do rio Ganges, matando e fazendo com que outros matem, mutilando e fazendo com que outros mutilem, torturando e fazendo com que outros torturem, não haveria mal por essa causa, nenhum resultado do mal. Mesmo se alguém fosse ao longo da margem esquerda do rio Ganges, dando oferendas e fazendo com que outros dêem oferendas, por causa disso não haveria mérito e nenhum resultado do mérito. Através da generosidade, do autocontrole, da contenção e dizendo a verdade não há mérito por essa causa, nenhum resultado do mérito.’



18. “Dessa forma, quando questionado acerca do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Purana Kassapa respondeu com a sua teoria da não ação. Tal como se uma pessoa, perguntada a respeito de manga, respondesse com uma fruta pão; ou quando perguntada a respeito da fruta pão, respondesse com uma manga: da mesma forma, quando perguntado a respeito do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Purana Kassapa respondeu com a sua teoria da não ação. O pensamento me ocorreu: ‘Como pode uma pessoa como eu pensar em menosprezar um brâmane ou contemplativo que viva no meu reino?’ [10] No entanto eu não concordei e tampouco critiquei as palavras de Purana Kassapa. Assim sem concordar nem criticar o que ele disse, e embora estivesse insatisfeito, sem expressar a minha insatisfação, sem aceitar nem rejeitar o seu ensinamento, eu levantei do meu assento e parti.



(Purificação através do samsara)



19. “Em uma outra ocasião eu fui até Makkhali Gosala [11] e, chegando, nos cumprimentamos. Após a troca de saudações amigáveis e corteses, sentei a um lado e lhe perguntei: ‘Venerável Gosala, existem estes especialistas ... Eles vivem dos frutos do seu trabalho, visível no aqui e agora ... É possível, venerável senhor, apontar um fruto similar da vida contemplativa, visível no aqui e agora?’



20. “Quando isto foi dito, Makkhali Gosala me disse, ‘Grande rei, não existem causas ou condições[12] para a contaminação dos seres. Os seres são contaminados sem causas ou condições. Não há causas ou condições para a purificação dos seres. Os seres são purificados sem causas ou condições. A realização de uma dada condição, de qualquer caráter, não depende quer seja das próprias ações, ou das ações dos outros, ou do esforço humano. Não há tal coisa como o poder ou energia, nem o poder humano ou a energia humana. Todos os animais, todas as criaturas, todos os seres, todas as almas, não têm força, poder e energia por si mesmos. Eles se inclinam nesta ou naquela direção de acordo com o seu destino, moldado de acordo com as circunstâncias e natureza da classe à qual pertencem, de acordo com a sua respectiva natureza: e é de acordo com a sua posição numa dessas seis classes que eles experimentam o prazer e a dor.



“Existem 1.400.000 tipos principais de nascimento, 6.000 outros, e mais 600; existem 500 tipos de kamma,[13] ou 5 tipos [14]e 3 tipos,[15] e meio kamma [16]; existem 62 caminhos (modos de conduta), 62 ciclos cósmicos intermediários, 6 classes (diferenças entre os seres humanos), 8 estágios na existência humana, 4.900 ocupações, 4.900 tipos de errantes, 4.900 moradas dos Nagas,[17] 2.000 existências sencientes, 3.000 infernos, 36 lugares com poeira, 7 classes de renascimento de seres com consciência, 7 sem consciência, 7 classes de seres ‘livres dos grilhões’, 7 tipos de divindades, 7 tipos de seres humanos, 7 tipos de demônios, 7 lagos, 7 nós, 7 grandes e 7 pequenos precipícios, 7 grandes e 7 pequenos tipos de sonhos.



“Existem 8 milhões e 400 mil grandes ciclos cósmicos durante os quais, ambos os sábios e os tolos, transmigrando e perambulando através do ciclo de renascimentos darão um fim ao sofrimento da mesma forma. Embora os sábios aspirem: ‘Através desta virtude ou observância ou ascetismo ou desta vida santa eu amadurecerei o kamma que não está maduro e aniquilarei o kamma amadurecido na medida em que ele surgir.’ [18] Embora os tolos tenham a mesma aspiração, nenhum deles será capaz de fazer isso. O prazer e a dor são repartidos e não podem ser alterados ao longo da transmigração, não pode haver o seu incremento nem a sua diminuição, não há excesso nem falta. Tal como uma bola de linha, quando arremessada, chega ao seu fim simplesmente desenrolando, da mesma forma, tendo transmigrado e perambulado através do ciclo de renascimentos, durante o tempo determinado, e somente depois disso, ambos os sábios e os tolos darão um fim ao sofrimento.”



21. “Dessa forma, quando questionado acerca do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Makkhali Gosala respondeu com a sua teoria da purificação através da perambulação. Tal como se uma pessoa, perguntada a respeito de manga, respondesse com uma fruta pão; ou quando perguntada a respeito da fruta pão, respondesse com uma manga: da mesma forma, quando perguntado a respeito do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Makkhali Gosala respondeu com a sua teoria da purificação através da perambulação. O pensamento me ocorreu: ‘Como pode uma pessoa como eu pensar em menosprezar um brâmane ou contemplativo que viva no meu reino?’ No entanto eu não concordei e tampouco critiquei as palavras de Makkhali Gosala. Assim sem concordar nem criticar o que ele disse, e embora estivesse insatisfeito, sem expressar a minha insatisfação, sem aceitar nem rejeitar o seu ensinamento, eu levantei do meu assento e parti.



(Aniquilação)



22. “Em uma outra ocasião eu fui até Ajita Kesakambala [19] e, chegando, nos cumprimentamos. Após a troca de saudações amigáveis e corteses, sentei a um lado e lhe perguntei: ‘Venerável Ajita, existem estes especialistas ... Eles vivem dos frutos do seu trabalho, visível no aqui e agora ... É possível, venerável senhor, apontar um fruto similar da vida contemplativa, visível no aqui e agora?’



23. “Quando isso foi dito, Ajita Kesakambala me disse, ‘Grande rei, não existe nada que é dado, nada que é oferecido, nada que é sacrificado; não existe fruto ou resultado de ações boas ou más; não existe este mundo nem outro mundo; não existe mãe, nem pai; nenhum ser que renasça espontaneamente; não existem no mundo brâmanes nem contemplativos bons e virtuosos que, após terem conhecido e compreendido diretamente por eles mesmos, proclamam este mundo e o próximo. [20] Uma pessoa consiste dos quatro grandes elementos. Quando ela morre, a terra retorna e vai para o corpo da terra, a água retorna e vai para o corpo da água, o fogo retorna e vai para o corpo do fogo, o ar retorna e vai para o corpo do ar; as faculdades são transferidas para o espaço. Quatro homens com o ataúde como quinto levam o corpo embora. As orações funerárias duram até chegar no cemitério; os ossos branqueiam; as oferendas queimadas terminam como cinzas. A generosidade é uma doutrina dos tolos. Qualquer um que afirme uma doutrina de que a generosidade existe, isso é vazio, falsa tagarelice. Tolos e sábios são da mesma forma extintos e aniquilados com a dissolução do corpo; depois da morte eles não existem.’



24. “Dessa forma, quando questionado acerca do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Ajita Kesakambala respondeu com a sua teoria da aniquilação. Tal como se uma pessoa, perguntada a respeito de manga, respondesse com uma fruta pão; ou quando perguntada a respeito da fruta pão, respondesse com uma manga: da mesma forma, quando perguntado a respeito do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Ajita Kesakambala respondeu com a sua teoria da aniquilação. O pensamento me ocorreu: ‘Como pode uma pessoa como eu pensar em menosprezar um brâmane ou contemplativo que viva no meu reino?’ No entanto eu não concordei e tampouco critiquei as palavras de Makkhali Gosala. Assim sem concordar nem criticar o que ele disse, e embora estivesse insatisfeito, sem expressar a minha insatisfação, sem aceitar nem rejeitar o seu ensinamento, eu levantei do meu assento e parti.



(Não relação)



25. “Em uma outra ocasião eu fui até Pakudha Kaccayana [21] e, chegando, nos cumprimentamos. Após a troca de saudações amigáveis e corteses, sentei a um lado e lhe perguntei: ‘Venerável Kaccayana, existem estes especialistas ... Eles vivem dos frutos do seu trabalho, visível no aqui e agora ... É possível, venerável senhor, apontar um fruto similar da vida contemplativa, visível no aqui e agora?’



26. “Quando isto foi dito, Pakudha Kaccayana me disse, ‘Grande rei, existem esses sete elementos - não feitos, não causados, não criados, sem um criador, estéreis como o pico de uma montanha, plantados firmes como um pilar - que não se alteram, não mudam, não interferem uns com os outros, são incapazes de causar um ao outro o prazer, a dor, ou ambos. Quais sete? O elemento terra, o elemento água, o elemento fogo, o elemento ar, prazer, dor e alma como sétimo. Esses são os sete elementos não feitos, não causados, não criados, sem um criador, estéreis como o pico de uma montanha, plantados firmes como um pilar – que não se alteram, não mudam, não interferem uns com os outros, são incapazes de causar um ao outro o prazer, a dor, ou ambos. Portanto não há matador ou morto, ouvinte ou falante, conhecedor ou explicador. Quando alguém com uma espada afiada corta a cabeça de outra pessoa, não é tirada a vida de ninguém, a espada simplesmente passa no espaço entre os sete elementos.’



27. “Portanto, quando questionado acerca do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Pakudha Kaccayana respondeu com a sua teoria da não relação. Tal como se uma pessoa, perguntada a respeito de manga, respondesse com uma fruta pão; ou quando perguntada a respeito da fruta pão, respondesse com uma manga: da mesma forma, quando perguntado a respeito do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Pakudha Kaccayana respondeu com a sua teoria da não relação. O pensamento me ocorreu: ‘Como pode uma pessoa como eu pensar em menosprezar um brâmane ou contemplativo que viva no meu reino?’ No entanto eu não concordei e tampouco critiquei as palavras de Pakudha Kaccayana. Assim sem concordar nem criticar o que ele disse, e embora estivesse insatisfeito, sem expressar a minha insatisfação, sem aceitar nem rejeitar o seu ensinamento, eu levantei do meu assento e parti.



(Contenção de Quatro Modos)



28. “Em uma outra ocasião eu fui até Nigantha Nataputta [22] e, chegando, nos cumprimentamos. Após a troca de saudações amigáveis e corteses, sentei a um lado e lhe perguntei: ‘Venerável Aggivessana, existem estes especialistas ... Eles vivem dos frutos do seu trabalho, visível no aqui e agora ... É possível, venerável senhor, apontar um fruto similar da vida contemplativa, visível no aqui e agora?’



29. “Quando isto foi dito, Nigantha Nataputta me disse, ‘Grande rei, é o caso que o Nigantha é contido com quatro controles. E como o Nigantha é contido com quatro controles? É o caso em que o Nigantha é coibido por todas as coibições, sujeitado por todas as coibições, purificado por todas as coibições e demandado por todas as coibições.[23] Assim é como o Nigantha é contido com quatro controles. Quando o Nigantha é contido com esses quatro controles, se diz que ele é ‘alguém livre de grilhões’ (Nigantha), um filho de Nata (Nataputta), com o seu eu aperfeiçoado, seu eu controlado, seu eu estabelecido.’



30. “Dessa forma, quando questionado acerca do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Nigantha Nataputta respondeu com a sua teoria da contenção de quatro modos. Tal como se uma pessoa, perguntada a respeito de manga, respondesse com uma fruta pão; ou quando perguntada a respeito da fruta pão, respondesse com uma manga: da mesma forma, quando perguntado a respeito do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Nigantha Nataputta respondeu com a sua teoria da contenção de quatro modos. O pensamento me ocorreu: ‘Como pode uma pessoa como eu pensar em menosprezar um brâmane ou contemplativo que viva no meu reino?’ No entanto eu não concordei e tampouco critiquei as palavras de Nigantha Nataputta. Assim sem concordar nem criticar o que ele disse, e embora estivesse insatisfeito, sem expressar a minha insatisfação, sem aceitar nem rejeitar o seu ensinamento, eu levantei do meu assento e parti.



(Evasão)



31. “Em uma outra ocasião eu fui até Sañjaya Belatthaputta e, chegando, nos cumprimentamos. Após a troca de saudações amigáveis e corteses, sentei a um lado e lhe perguntei: ‘Venerável Sañjaya, existem estes especialistas ... Eles vivem dos frutos do seu trabalho, visível no aqui e agora ... É possível, venerável senhor, apontar um fruto similar da vida contemplativa, visível no aqui e agora?’



32. “Quando isto foi dito, Sañjaya Belatthaputta me disse, ‘Se você me perguntasse se existe um outro mundo (após a morte), se eu pensasse que existe um outro mundo, eu o declararia para você? Eu não creio. Eu não penso dessa forma. Eu não penso de outra forma. Eu não penso que não. Eu não penso que não não. Se você me perguntasse se não há um outro mundo ... ambos há e não há ... nem há, nem não há ... se existem seres que transmigram ... se não existem ... ambos existem e não ... nem existem, nem não ... se o Tathagata existe após a morte ... não existe ... ambos ... nem existe, nem não existe após a morte, eu o declararia para você? Eu não creio. Eu não penso dessa forma. Eu não penso de outra forma. Eu não penso que não. Eu não penso que não não.’



33. “Dessa forma, quando questionado acerca do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Sañjaya Belatthaputta respondeu com a evasão. Tal como se uma pessoa, perguntada a respeito de manga, respondesse com uma fruta pão; ou quando perguntada a respeito da fruta pão, respondesse com uma manga: da mesma forma, quando perguntado a respeito do fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, Sañjaya Belatthaputta respondeu com a evasão. O pensamento me ocorreu: esse – entre esses brâmanes e contemplativos – é o mais tolo e confuso de todos. Como pode ele, quando perguntado sobre o fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, responder com a evasão? E novamente o pensamento me ocorreu: ‘Como pode uma pessoa como eu pensar em menosprezar um brâmane ou contemplativo que viva no meu reino?' No entanto eu não concordei e tampouco critiquei as palavras de Sañjaya Belatthaputta. Assim sem concordar nem criticar o que ele disse, e embora estivesse insatisfeito, sem expressar a minha insatisfação, sem aceitar nem rejeitar o seu ensinamento, eu levantei do meu assento e parti.



(O Primeiro Fruto Visível da Vida Contemplativa)



34. “Dessa forma, venerável senhor, eu também pergunto ao Abençoado. Existem estes especialistas: treinadores de elefantes, treinadores de cavalos, condutores de carruagens, arqueiros, porta-estandartes, marechais de campo, oficiais do grupo de abastecimento, oficiais reais de alto escalão, comandos, heróis militares, guerreiros com armaduras, guerreiros com vestimentas de couro, escravos domésticos, confeiteiros, barbeiros, banhistas, cozinheiros, artesões de grinaldas, lavadeiras, tecelões, cesteiros, oleiros, aritméticos, contadores, e qualquer outro especialista semelhante. Eles vivem dos frutos do seu ofício, visíveis no aqui e agora. Eles mantêm a si mesmos e aos seus pais, esposa e filhos, amigos e colegas, com conforto e felicidade. Eles dão excelentes oferendas, para brâmanes e contemplativos, que os conduzem ao paraíso, contribuem para a sua felicidade, têm a bem-aventurança como resultado. É possível, venerável senhor, apontar um fruto similar da vida contemplativa, visível no aqui e agora?”



“Sim, é possível, grande rei. Porém, primeiro, em relação a isso, eu lhe farei uma contra pergunta. Responda como quiser.



35. “Suponha que houvesse um homem seu: seu escravo, seu trabalhador, levantando-se pela manhã antes de você, indo para a cama à noite somente depois de você, fazendo tudo que você ordene, sempre agindo para agradá-lo, dirigindo-lhe a palavra com cortesia, sempre atento ao seu semblante. Ele poderia pensar: ‘Isto não é maravilhoso? Isto não é admirável? - a conseqüência, o resultado, de ações meritórias![24] Pois este rei Ajatasattu é um ser humano, e eu, também sou um ser humano, no entanto o rei Ajatasattu goza, provido e dotado, dos cinco elementos do prazer sensual - como se uma divindade fosse - enquanto que eu sou seu escravo, seu trabalhador ... sempre atento ao seu semblante. Eu também deveria praticar ações meritórias. E se eu raspasse meu cabelo e minha barba, vestisse os mantos de cor ocre e seguisse a vida santa?’



“Assim após algum tempo ele raspa o seu cabelo e barba, veste o manto de cor ocre e segue a vida santa. Vivendo a vida santa dessa forma ele vive com controle sobre o corpo, linguagem e mente, satisfeito com a comida e moradia mais simples, sentindo prazer na solidão. Então suponha que um dos seus homens lhe informe: ‘Majestade, você deve saber, que um dos seus homens - seu escravo, seu trabalhador ... sempre atento ao seu semblante ... seguiu a vida santa ... satisfeito com a comida e moradia mais simples, sentindo prazer na solidão.’ Tendo sido informado dessa forma, você diria, ‘Traga-me esse homem de volta. Façam-no novamente meu escravo, meu trabalhador ... sempre atento ao meu semblante!’?”



36. “De forma nenhuma, venerável senhor. Ao invés disso, sou eu quem deveria me curvar ante ele, levantar-me por respeito a ele, convidá-lo a sentar, convidá-lo a aceitar oferendas de mantos, alimentos, moradia e medicamentos. E eu lhe proveria guarda, defesa e proteção.”



“Então o que você pensa, grande rei. Sendo esse o caso, existe um fruto visível da vida contemplativa, ou não existe?”



“Sim, venerável senhor. Sendo esse o caso, certamente existe um fruto visível da vida contemplativa.”



“Este, grande rei, é o primeiro fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, que eu lhe aponto.”



(O Segundo Fruto Visível da Vida Contemplativa)



37. “Porém, é possível, venerável senhor, apontar mais um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora?”



“Sim, é possível, grande rei. Mas, primeiro, em relação a isso, eu lhe farei uma contra pergunta. Responda como quiser. Suponha que houvesse um homem seu: um lavrador, um chefe de família, um pagante de tributos inchando o tesouro real. Ele poderia pensar: ‘Isto não é maravilhoso? Isto não é admirável? - a conseqüência, o resultado, de ações meritórias. Pois este rei Ajatasattu é um ser humano, e eu, também sou um ser humano, no entanto o rei Ajatasattu goza, provido e dotado, dos cinco elementos do prazer sensual - como se uma divindade fosse - enquanto que eu sou um lavrador, um chefe de família, um pagante de tributos inchando o tesouro real. Eu também deveria praticar ações meritórias. E se eu raspasse meu cabelo e minha barba, vestisse os mantos de cor ocre e seguisse a vida santa?’



“Assim após algum tempo ele abandona a sua fortuna, grande ou pequena; deixa o seu círculo de parentes, grande ou pequeno; raspa o seu cabelo e barba, veste o manto de cor ocre e segue a vida santa. Vivendo a vida santa dessa forma ele vive com controle sobre o corpo, linguagem e mente, satisfeito com a comida e moradia mais simples, sentindo prazer na solidão. Então suponha que um dos seus homens lhe informe: ‘Majestade, você deve saber, que um dos seus homens - seu lavrador, seu chefe de família, seu pagante de tributos inchando o tesouro real ... seguiu a vida santa ... satisfeito com a comida e moradia mais simples, sentindo prazer na solidão.’ Tendo sido informado dessa forma, você diria, ‘Traga-me esse homem de volta. Façam-no novamente um lavrador, um chefe de família, um pagante de tributos inchando o tesouro real!’?”



38. “De forma nenhuma, venerável senhor. Ao invés disso, sou eu quem deveria me curvar ante ele, levantar-me por respeito a ele, convidá-lo a sentar, convidá-lo a aceitar oferendas de mantos, alimentos, moradia, e medicamentos. E eu lhe proveria guarda, defesa, e proteção.”



“Então o que você pensa, grande rei. Sendo esse o caso, existe um fruto visível da vida contemplativa, ou não existe?”



“Sim, venerável senhor. Sendo esse o caso, certamente existe um fruto visível da vida contemplativa.”



“Este, grande rei, é o segundo fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, que eu lhe aponto.”



(Frutos Mais Elevados da Vida Contemplativa)



39. “Mas é possível, venerável senhor, apontar mais um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora?”



“Sim, é possível, grande rei. Ouça e preste muita atenção.



40. “É o caso, grande rei, que um Tathagata surge no mundo, um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada.



41. “Um chefe de família ou o filho de um chefe de família ou alguém nascido em algum outro clã ouve o Dhamma. Ouvindo o Dhamma ele adquire convicção no Tathagata. Possuindo essa fé ele reflete da seguinte forma: 'A vida em família é confinada, um caminho empoeirado; a vida santa é como o ar livre. Não é fácil viver em casa e praticar a vida santa completamente perfeita, totalmente pura, como uma concha polida. E se eu raspasse o meu cabelo e barba, vestisse os mantos de cor ocre e seguisse a vida santa.' Então após algum tempo ele abandona a sua fortuna, grande ou pequena; deixa o seu círculo de parentes, grande ou pequeno; raspa o seu cabelo e barba, veste o manto de cor ocre e segue a vida santa.



42. “Vivendo a vida santa, ele vive contido pelas regras do Patimokkha, perfeito na conduta e na sua esfera de atividades, temendo a menor falha. Consumado em virtude, ele guarda as portas dos meios dos sentidos, possui atenção plena e plena consciência, e está satisfeito.



(A Pequena Seção sobre a Virtude)



43-62. “E como um bhikkhu é consumado em virtude? Abandonando tirar a vida de outros seres, ele se abstém de tirar a vida de outros seres; ele permanece com a sua vara e arma postas de lado, bondoso e gentil, compassivo com todos os seres vivos. Isto é parte da sua virtude.



“Abandonando tomar o que não seja dado, ele se abstém de tomar o que não é dado; tomando somente aquilo que é dado, aceitando somente aquilo que é dado, não roubando ele permanece puro. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Abandonando o não celibato, ele vive uma vida celibatária, vive separado, abstendo-se da prática vulgar do ato sexual. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Abandonando a linguagem mentirosa, ele se abstém da linguagem mentirosa. Ele fala a verdade, mantém a verdade, é firme e confiável, não é um enganador do mundo. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Abandonando a linguagem maliciosa, ele se abstém da linguagem maliciosa. O que ele ouviu aqui ele não conta ali para separar aquelas pessoas destas. O que ele ouviu lá ele não conta aqui para separar estas pessoas daquelas. Assim ele reconcilia aquelas pessoas que estão divididas, promove a amizade, ele ama a concórdia, se delicia com a concórdia, desfruta da concórdia, diz coisas que criam a concórdia. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Abandonando a linguagem grosseira, ele se abstém da linguagem grosseira. Ele diz palavras que são gentis, que agradam aos ouvidos, carinhosas, que penetram o coração, que são corteses, desejadas por muitos e que agradam a muitos. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Abandonando a linguagem frívola, ele se abstém da linguagem frívola. Ele fala na hora certa, diz o que é fato, aquilo que é bom, fala de acordo com o Dhamma e a Disciplina; nas horas adequadas ele diz palavras que são úteis, racionais, moderadas e que trazem benefício. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Ele se abstém de danificar sementes e plantas.



“Ele come somente uma vez ao dia, privando-se da refeição noturna e de alimentos nas horas incorretas.



“Ele se abstém de dançar, cantar, ouvir música e de ver espetáculos de entretenimento.



“Ele se abstém de usar ornamentos, usar perfumes e de embelezar o corpo com cosméticos.



“Ele se abstém de deitar em leitos elevados e luxuosos.



“Ele se abstém de aceitar ouro e dinheiro.



“Ele se abstém de aceitar grãos que não estejam cozidos ... carne crua ... mulheres e garotas ... escravos e escravas ... cabras e ovelhas ... aves e porcos ... elefantes, gado, cavalos e éguas ... terras e propriedades.



“Ele se abstém de fazer pequenas tarefas e levar mensagens ... de comprar e vender ... de lidar com balanças falsas, metais falsos, falsas medidas ... do suborno, burla e fraude.



“Ele se abstém de mutilar, executar, aprisionar, roubar, pilhar e violentar.



“Isto, também, é parte da sua virtude.



(A Seção Intermediária sobre a Virtude)



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a danificar sementes e plantas tais como estas - plantas que se propagam pelas raízes, caules, juntas, germinações, e sementes - ele se abstém de danificar sementes e plantas tais como essas. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a consumir mercadorias armazenadas tais como estas - comida armazenada, bebidas armazenadas, roupas armazenadas, veículos armazenados, roupas de cama armazenadas, perfumes armazenados, carne armazenada - ele se abstém de consumir mercadorias armazenadas como essas. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a assistir espetáculos tais como estes – danças, canto, instrumentos musicais, recitações de baladas, bater palmas, címbalos e tambores, cenas pintadas, truques acrobáticos e de súplicas, luta de elefantes, luta de cavalos, luta de búfalos, touradas, luta de bodes, luta de carneiros, briga de galos, luta de codornas; luta com paus, boxe, luta livre, jogos de guerra, listas de chamada, planos de batalha, e paradas militares – ele se abstém de assistir espetáculos como esses. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a jogos insensatos e ociosos tais como estes – xadrez de oito filas, xadrez de dez filas, xadrez no ar, amarelinha, jogo de varetas, dados, jogos com paus, desenhos com a mão, jogos com bola, soprar flautas de brinquedo, brincar com arados de brinquedo, piruetas, brincar com moinhos de vento de brinquedo, medidas de brinquedo, carruagens de brinquedo, arcos de brinquedo, adivinhar letras desenhadas no ar, adivinhar pensamentos, imitando deformidades – ele se abstém de jogos insensatos e ociosos tais como esses. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a uma mobília alta e luxuosa tais como essas – sofás de grande tamanho, enfeitados com animais esculpidos; colchas felpudas, com retalhos multicoloridos, de lã branca, de lã bordadas com flores ou figuras de animais, acolchoadas, com franjas, de seda bordadas com pedras preciosas; tapetes grandes de lã; tapetes com elefantes, com cavalos e carruagens, de pele de antílope, de pele de gamo; camas com baldaquino, com almofadas vermelhas para a cabeça e os pés – ele se abstém de usar mobílias altas e luxuosas tais como essas. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a perfumes, cosméticos, e meios de embelezamento tais como estes – pós para massagear o corpo, massagem com óleos, banho em água perfumada, massagem nos membros, usar espelhos, pomadas, ornamentos, perfumes, cremes, pós de arroz, máscara, braceletes, tiaras, bengalas decoradas, garrafas de água ornamentadas, espadas, guarda sóis enfeitados, sandálias decoradas, turbantes, pedras preciosas, espanador feito de pelos de yak, túnicas longas com franjas – ele se abstém de usar perfumes, cosméticos e meios de embelezamento tais como esses. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a falar de tópicos inferiores tais como estes – falar sobre reis, ladrões, ministros de estado, exércitos, alarmes e batalhas; comida e bebida, roupas, mobília, ornamentos e perfumes, parentes; veículos; vilarejos, vilas, cidades, o campo; mulheres e heróis; as fofocas das ruas e do poço; contos dos mortos; contos da diversidade (discussões filosóficas do passado e futuro), a criação do mundo e do mar e falar sobre a existência ou não das coisas – ele se abstém de falar de tópicos inferiores tais como esses. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a debates tais como estes – ‘Você entende esta doutrina e disciplina? Eu sou aquele que entende esta doutrina e disciplina. Como pode você entender esta doutrina e disciplina? A sua prática é incorreta. Eu pratico corretamente. Eu sou consistente. Você não é. O que deve ser dito primeiro você fala por último. O que deve ser dito por último você fala primeiro. O que lhe tardou tanto tempo para pensar foi refutado. A sua doutrina foi derrubada. Você está derrotado. Vá e tente salvar a sua doutrina; solte a si mesmo se você puder!’ – ele se abstém de debates tais como estes. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a levar mensagens e fazer pequenas tarefas para pessoas tais como estas – reis, ministros de estado, nobre guerreiros, brâmanes, contemplativos, chefes de família, ou jovens (que dizem), ‘Venha aqui, vá ali, leve isto lá, vá buscar e traga isto aqui’ – ele se abstém de levar mensagens e fazer pequenas tarefas para pessoas como essas. Isto, também, é parte da sua virtude.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, se ocupam com tramar, persuadir, aconselhar, depreciar e perseguir o ganho com o ganho, ele se abstém de tramar, persuadir, aconselhar, depreciar e perseguir o ganho com o ganho (maneiras inadequadas de obter apoio material de doadores). Isto, também, é parte da sua virtude.



(A Grande Seção sobre a Virtude)



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, por meio de artes inferiores tais como:



leitura de marcas nos membros [ex: quiromancia];

leitura de presságios e sinais;

interpretação de eventos celestiais [estrelas cadentes, cometas];

interpretação de sonhos;

leitura de marcas no corpo [ex: frenologia];

leitura de marcas em tecidos roídos por ratos;

oblação oferecida com o fogo, oblação de uma concha, oblação de palhas, pó de arroz, gorduras, e óleo;

oferecer oblações com a boca;

oferecer sacrifícios de sangue;

fazer previsões baseadas nas pontas dos dedos;

geomancia;

deitar demônios em um cemitério;

colocar feitiços em espíritos;

recitar feitiços protetores em casas;

encantar serpentes, xamanismo com venenos, xamanismo com escorpiões, xamanismo com ratos, xamanismo com pássaros, xamanismo com corvos;

ler a sorte com base em visões;

dar encantos protetores;

interpretar o chamado de pássaros e animais



ele se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores tais como essas.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, através de artes inferiores tais como: determinar o que traz e não traz a sorte com pedras preciosas, roupas, bengalas, espadas, lanças, flechas, arcos, e outras armas; mulheres, meninos, meninas, escravos, escravas; elefantes, cavalos, búfalos, touros, vacas, bodes, carneiros, aves, codornas, lagartos, roedores com orelhas grandes, tartarugas, e outros animais – ele se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores tais como essas.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, através de artes inferiores como prever que:



os regentes marcharão para a frente;

os regentes marcharão para a frente e retornarão;

nossos regentes atacarão e os regentes deles recuarão;

os regentes deles atacarão e os nossos regentes recuarão;

haverá triunfo para os nossos regentes e derrota para os regentes deles;

haverá triunfo para os regentes deles e derrota para os nosso regentes;

dessa forma haverá triunfo, dessa forma haverá derrota -



ele se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores tais como essas.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, através de artes inferiores como prever que:



haverá um eclipse lunar;

haverá um eclipse solar;

haverá a ocultação de um astro;

o sol e a lua continuarão no seu curso normal;

o sol e a lua sairão do caminho;

os astros seguirão no seu curso normal;

os astros sairão do caminho;

haverá uma chuva de meteoros;

haverá um escurecimento do céu;

haverá um terremoto;

haverá trovões vindo de um céu claro;

haverá um nascer, um por, um escurecimento, um brilho mais intenso do sol, lua, e astros;

assim será o resultado do eclipse lunar...o nascer, por, escurecimento, brilho mais intenso do sol, lua e astros -



ele se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores tais como essas.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, por meio de artes inferiores como prever que:



haverá chuva em abundância; haverá uma seca;

haverá abundância; haverá fome;

haverá paz e segurança; haverá insegurança;

haverá doença; não haverá doença;

ou eles ganham a vida fazendo contas, contabilidade, cálculos, compondo poesias, ou ensinando artes e doutrinas hedonísticas -



ele se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores tais como essas.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, por meio de artes inferiores como:



calcular as datas mais auspiciosas para casamentos, noivados, divórcios; para cobrar dívidas ou fazer investimentos e empréstimos; para ser atraente ou não atraente; curar mulheres que abortaram;

recitar feitiços para amarrar a língua de um homem, para paralisar a sua mandíbula, para fazer com que ele perca o controle das mãos, ou torná-lo surdo;

obter respostas de oráculo a questões dirigidas a um espelho, a uma jovem garota, ou a um médium espiritual;

cultuar o sol, cultuar o Grande Brahma, fazer sair chamas pela boca, invocar à deusa da sorte -



ele se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores tais como essas.



“Enquanto que alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, através de artes inferiores como:



prometer presentes para divindades em troca de favores; cumprir essas promessas;

demonologia;

ensinar feitiços que protegem as casas;

induzir virilidade e impotência;

consagrar terrenos para construção;

dar colutórios cerimoniais e banhos cerimoniais;

oferecer fogueiras de sacrifício;

preparar eméticos, purgativos, expectorantes, diuréticos, curas para dor de cabeça; preparar óleo para os ouvidos, gotas para os olhos, óleo para tratamento através do nariz, colírio e antídotos; curar cataratas, praticar cirurgia, praticar como pediatra, prescrever medicamentos e tratamentos para curar efeitos colaterais -



ele se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores tais como essas.



63. “Um bhikkhu consumado em virtude dessa forma, não vê perigo em lugar nenhum pela sua contenção através da virtude. Da mesma forma, como um rei ungido, nobre guerreiro, que derrotou os seus inimigos não vê perigo em lugar nenhum, da mesma forma, um bhikkhu consumado em virtude dessa forma não vê perigo em lugar nenhum pela sua contenção através da virtude. Dotado desse nobre agregado da virtude, ele experimenta dentro de si uma felicidade que é imaculada. Assim é como um bhikkhu é consumado em virtude.



(Contenção dos Sentidos)



64. “Ao ver uma forma com o olho, um bhikkhu não se agarra aos seus sinais ou detalhes. Visto que, se permanecer com a faculdade do olho descuidada, ele será tomado pelos estados ruins e prejudiciais de cobiça e tristeza. Ele pratica a contenção, ele protege a faculdade do olho, ele se empenha na contenção da faculdade do olho. Ao ouvir um som com o ouvido ... Ao cheirar um aroma com o nariz … Ao saborear um sabor com a língua … Ao tocar um tangível com o corpo … Ao perceber um objeto mental com a mente, ele não se agarra aos seus sinais ou detalhes. Visto que, se permanecer com a faculdade da mente descuidada, ele será tomado pelos estados ruins e prejudiciais de cobiça e tristeza. Ele pratica a contenção, ele protege a faculdade da mente, ele se empenha na contenção da faculdade da mente. Dotado dessa nobre contenção das faculdades, ele experimenta dentro de si uma felicidade que é imaculada. Assim é como um bhikkhu guarda as portas dos seus meios dos sentidos.



(Atenção Plena e Plena Consciência)



65. “E como um bhikkhu possui atenção plena e plena consciência? Um bhikkhu age com plena consciência quando vai para a frente e quando retorna; age com plena consciência quando olha para a frente e quando desvia o olhar; age com plena consciência quando dobra e estende os seus membros; age com plena consciência quando carrega o manto externo, o manto superior, a tigela; age com plena consciência quando come, bebe, mastiga e saboreia; age com plena consciência quando defeca e urina; age com plena consciência quando caminha, fica em pé, senta, adormece, acorda, fala e permanece em silêncio. Assim é como um bhikkhu possui atenção plena e plena consciência.



(Satisfação)



66. “E como um bhikkhu está satisfeito? Igual a um passarinho, aonde quer que ele vá, voa com as asas como seu único fardo, assim também, o bhikkhu está satisfeito com os mantos que protegem o seu corpo e com os alimentos esmolados que mantêm o seu estômago, e aonde quer que vá ele apenas leva essas coisas consigo. Assim é como um bhikkhu está satisfeito.



(Abandonando os Obstáculos)



67. “Dotado desse nobre agregado da virtude, essa nobre contenção das faculdades sensoriais, essa nobre atenção plena e plena consciência, ele procura um local isolado: na floresta, à sombra de uma árvore, uma montanha, uma ravina, uma caverna em uma encosta, um cemitério, um matagal, um espaço aberto, uma cabana vazia. Depois de esmolar alimentos, após a refeição, ele senta com as pernas cruzadas, com o corpo ereto e coloca a atenção plena à sua frente.



68. “Abandonando a cobiça pelo mundo, ele permanece com a mente livre de cobiça; ele purifica sua mente da cobiça. Abandonando a má vontade, ele permanece com a mente livre de má vontade, com compaixão pelo bem-estar de todos seres vivos; ele purifica sua mente da má vontade. Abandonando a preguiça e o torpor, ele permanece livre da preguiça e do torpor, perceptivo à luz,[25] atento e plenamente consciente; ele purifica sua mente da preguiça e do torpor. Abandonando a inquietação e a ansiedade, ele permanece calmo com a mente em paz; ele purifica sua mente da inquietação e da ansiedade. Abandonando a dúvida, ele assim permanece tendo superado a dúvida, sem perplexidade em relação a qualidades mentais hábeis; ele purifica a mente da dúvida.



69. “Suponha que um homem, tomando um empréstimo, invista no seu negócio. Os seu negócios vão bem. Ele paga a dívida e sobra algo para sustentar a sua esposa. O pensamento lhe ocorreria, ‘Antes, tomei um empréstimo, investi no meu negócio. Agora o meu negócio foi bem. Eu paguei a dívida e sobrou algo para sustentar minha esposa’. Por causa disso ele experimentaria alegria e felicidade.



70. “Agora suponha que um homem se enferme – com dores e seriamente doente. Ele não tolera a comida e não há força no seu corpo. Conforme o tempo passa, ele finalmente se recupera dessa enfermidade. Ele tolera a comida e há força no seu corpo. O pensamento lhe ocorreria, ‘Antes, eu estava doente ... Agora estou recuperado daquela doença. Eu tolero a minha comida, há força no meu corpo.’ Por causa disso ele experimentaria alegria e felicidade.



71. “Agora suponha que um homem está na prisão. Conforme o tempo passa, ele finalmente é libertado dessa prisão, são e salvo, sem perda de patrimônio. O pensamento lhe ocorreria, ‘Antes, eu estava na prisão. Agora estou livre da prisão, são e salvo, sem perda do meu patrimônio.’ Por causa disso ele experimentaria alegria e felicidade.



72. “Agora suponha que um homem é um escravo, sujeito a outros, não sujeito a si mesmo, incapaz de ir aonde queira. Conforme o tempo passa, ele finalmente é libertado daquela escravidão, sujeito a si mesmo, não sujeito a outros, livre, capaz de ir aonde queira. O pensamento lhe ocorreria, ‘Antes, eu era um escravo … Agora estou livre daquela escravidão, sujeito a mim mesmo, não sujeito a outros, livre, capaz de ir aonde queira.’ Por causa disso ele experimentaria alegria e felicidade.



73. “Agora suponha que um homem, carregando dinheiro e mercadorias, está viajando por uma estrada em uma região desolada. Conforme o tempo passa, ele finalmente emerge daquela região desolada, são e salvo, sem perda de patrimônio. O pensamento lhe ocorreria, ‘Antes, carregando dinheiro e mercadorias, eu estava viajando por uma estrada em uma região desolada. Agora emergi dessa região desolada, são e salvo, sem perda do meu patrimônio.’ Por causa disso ele experimentaria alegria e felicidade.



74. “Da mesma forma, quando esses cinco obstáculos [26] não são abandonados por ele, o bhikkhu os considera como uma dívida, uma enfermidade, uma prisão, a escravidão, uma estrada através de uma região desolada. Porém, quando esses cinco obstáculos são abandonados, ele os considera como não ter dívidas, ter boa saúde, estar livre da prisão, estar livre da escravidão, estar num lugar com segurança. Vendo que os obstáculos foram abandonados por ele, ele fica satisfeito. Satisfeito, o êxtase surge. Com o êxtase, o seu corpo se acalma. Com o corpo calmo, ele sente felicidade. Sentindo felicidade, a sua mente fica concentrada. [A]



(Os Quatro Jhanas)



75. “Um bhikkhu afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis, entra e permanece no primeiro jhana, que é caracterizado pelo pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento. Ele permeia e impregna, cobre e preenche o corpo com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento. Não há nada em todo o corpo que não esteja permeado pelo êxtase e felicidade nascidos do afastamento.



76. "É como se um banhista habilidoso ou seu aprendiz vertesse pó de banho numa bacia de latão e o misturasse, borrifando com água de tempos em tempos, de forma que essa bola de pó de banho - saturada, carregada de umidade, permeada por dentro e por fora - no entanto não pingasse; assim, o bhikkhu permeia, cobre e preenche o corpo com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento...



“Este é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



77. "E além disso, abandonando o pensamento aplicado e sustentado, um bhikkhu entra e permanece no segundo jhana, que é caracterizado pela segurança interna e perfeita unicidade da mente, sem o pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos da concentração. Ele permeia e impregna, cobre e preenche o corpo com o êxtase e felicidade nascidos da concentração. Não há nada em todo o corpo que não esteja permeado pelo êxtase e felicidade nascidos da concentração.



78. "Como um lago sendo alimentado por uma fonte de água interna, não tendo um fluxo de água do leste, oeste, norte, ou sul, nem os céus periodicamente fornecendo chuvas abundantes, de modo que a fonte de água interna permeia e impregna, cobre e preenche o lago de água fresca, sem que nenhuma parte do lago não esteja permeada pela água fresca; assim também o bhikkhu permeia e impregna, cobre e preenche o corpo com o êxtase e felicidade nascidos da concentração...



“Este, também, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



79. "E além disso, abandonando o êxtase, um bhikkhu entra e permanece no terceiro jhana que é caracterizado pela felicidade sem o êxtase, acompanhada pela atenção plena, plena consciência e equanimidade, acerca do qual os nobres declaram: ‘Ele permanece numa estada feliz, equânime e plenamente atento.’ Ele permeia e impregna, cobre e preenche o corpo com a felicidade despojada do êxtase, de forma que não exista nada em todo o corpo que não esteja permeado com a felicidade despojada do êxtase.



80. "Como num lago que tenha flores de lótus azuis, brancas ou vermelhas, podem existir algumas flores de lótus azuis, brancas, ou vermelhas que, nascidas e tendo crescido na água, permanecem imersas na água e florescem sem sair de dentro da água, de forma que elas permanecem permeadas e impregnadas, cobertas e preenchidas com água fresca da raiz até a ponta, e nada dessas flores de lótus azuis, brancas ou vermelhas permanece sem estar permeado pela água fresca; assim também o bhikkhu permeia e impregna, cobre e preenche o corpo com a felicidade despojada de êxtase...



“Este, também, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



81. "E além disso, com o completo desaparecimento da felicidade, um bhikkhu entra e permanece no quarto jhana, que possui nem felicidade nem sofrimento, com a atenção plena e a equanimidade purificadas. Ele permanece permeando o corpo com a mente pura e luminosa, de forma que não exista nada em todo o corpo que não esteja permeado pela mente pura e luminosa.



82. "Como se um homem estivesse enrolado da cabeça aos pés com um tecido branco de forma que não houvesse nenhuma parte do corpo que não estivesse coberta pelo tecido branco; assim também o bhikkhu permanece permeando o corpo com a mente pura e luminosa. Não há nada no corpo que não esteja permeado por essa mente pura e luminosa.



“Este, também, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



(Insight)



83. “Com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige e a inclina para o conhecimento e visão. Ele discerne: ‘Este meu corpo composto de forma material, consistindo dos quatro grandes elementos, nascido de mãe e pai, alimentado com arroz e mingau, está sujeito à impermanência, a ser gasto e pulverizado, à dissolução e desintegração, e esta minha consciência está apoiada nele e atada a ele.’[27]



84. Tal como se existisse uma linda pedra de berilo da mais pura água, com oito facetas, bem lapidada, clara, límpida, possuindo todas as boas qualidades, e através dela fosse passado um fio azul, amarelo, vermelho ou branco. Então um homem com boa visão, tomando a pedra nas mãos, a examinaria da seguinte forma: ’Esta é uma bela pedra de berilo da mais pura água, com oito facetas, bem lapidada, clara e límpida, possuindo todas as boas qualidades, e através dela passa um fio azul, amarelo, vermelho, branco.’ Da mesma forma - com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige e a inclina para o conhecimento e visão. Ele discerne: ‘Este meu corpo composto de forma material, consistindo dos quatro grandes elementos, nascido de mãe e pai, alimentado com arroz e mingau, está sujeito à impermanência, a ser gasto e pulverizado, à dissolução e desintegração, e esta minha consciência está apoiada nele e atada a ele.’



“Este, também, grande rei, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



(O Corpo feito pela Mente)



85. “Com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige e a inclina para criar um corpo feito pela mente. Deste corpo ele cria um outro corpo, dotado de forma,[28] feito pela mente, completo com todas as suas partes, sem defeito em nenhuma das faculdades.



86. Tal como se um homem fosse tirar uma flecha do seu estojo. O pensamento lhe ocorreria: ‘Este é o estojo, esta é a flecha. O estojo é uma coisa, a flecha outra, porém a flecha foi tirada do estojo.’ Ou como se um homem fosse tirar uma espada da sua bainha. O pensamento lhe ocorreria: ‘Esta é a espada, esta é a bainha. A espada é uma coisa, a bainha outra, porém a espada foi tirada da bainha.’ Ou como se um homem puxasse uma cobra da sua pele morta. O pensamento lhe ocorreria: ‘Esta é a cobra, esta é a pele. A cobra é uma coisa, a pele outra, porém a cobra foi puxada da pele.’ Da mesma forma - com a sua mente ddessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige e a inclina para criar um corpo feito pela mente. Deste corpo ele cria outro corpo, dotado de forma, feito pela mente, completo com todas as suas partes, sem defeito em nenhuma das faculdades.



“Este, também, grande rei, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



(Poderes Supra-humanos)



87. “Com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige e inclina para o modo de poderes supra-humanos. Ele exerce os vários tipos de poderes supra-humanos: tendo sido um, ele se torna vários; tendo sido vários, ele se torna um; ele aparece e desaparece; ele cruza sem nenhum problema uma parede, um cercado, uma montanha ou através do espaço; ele mergulha e sai da terra como se fosse água; ele caminha sobre a água sem afundar como se fosse terra; sentado de pernas cruzadas ele cruza o espaço como se fosse um pássaro; com a sua mão ele toca e acaricia a lua e o sol tão forte e poderoso[29]; ele exerce poderes corporais até mesmo nos distantes mundos de Brahma.



88. Tal como um hábil oleiro ou seu aprendiz podem fazer, com uma argila bem preparada, qualquer tipo de vasilhame de cerâmica que ele queira, ou como um hábil escultor de marfim ou seu aprendiz podem fazer, com marfim bem preparado, qualquer tipo de trabalho em marfim que ele queira, ou como um ourives ou seu aprendiz podem fazer, com ouro bem preparado, qualquer peça de ouro que ele queira; da mesma forma - com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade - ele a dirige e a inclina para o modo de poderes supra-humanos. Ele exerce os vários tipos de poderes supra-humanos: ... ele exerce poderes corporais até mesmo nos distantes mundos de Brahma.



“Este, também, grande rei, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



(O Elemento do Ouvido Divino)



89. “Com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige e a inclina para o elemento do ouvido divino. Com o elemento do ouvido divino, que é purificado e ultrapassa o humano, ele ouve ambos tipos de sons, os divinos e os humanos, aqueles distantes bem como os próximos.



90. Tal como se um homem viajando por uma estrada ouvisse sons de tambores, pequenos tambores, conchas e címbalos. Ele saberia, ‘Esse é o som de tambores, esse é o som de tambores pequenos, esse é o som de conchas, esse é o som de címbalos.’ Da mesma forma - com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade – o bhikkhu a dirige e a inclina para o elemento do ouvido divino. Ele ouve, através do elemento do ouvido divino, que é purificado e ultrapassa o humano, ambos tipos de sons: divinos e humanos, quer estejam próximos ou distantes.



“Este, também, grande rei, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



(Leitura da Mente)



91. “Com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige e a inclina para compreender a mente dos outros seres. Ele compreende as mentes de outros seres, de outras pessoas, abarcando-as com a sua própria mente. Ele compreende uma mente afetada pelo desejo como afetada pelo desejo e uma mente não afetada pelo desejo como não afetada pelo desejo; Ele compreende uma mente afetada pela raiva como afetada pela raiva e uma mente não afetada pela raiva como não afetada pela raiva; Ele compreende uma mente afetada pela delusão como afetada pela delusão e uma mente não afetada pela delusão como não afetada pela delusão; Ele compreende uma mente contraída como contraída e uma mente distraída como distraída; Ele compreende uma mente transcendente como transcendente e uma mente não transcendente como não transcendente; Ele compreende uma mente superável como superável e uma mente não superável como não superável; Ele compreende uma mente concentrada como concentrada e uma mente não concentrada como não concentrada; Ele compreende uma mente libertada como libertada e uma mente não libertada como não libertada.



92. Tal como um homem ou uma mulher – jovens, plenos de juventude e que apreciam ornamentos – ao verem a imagem do seu próprio rosto num espelho claro e brilhante ou numa tigela com água limpa, saberiam se existe alguma mácula assim: ‘Ali está uma mácula’ ou saberiam se não existe mácula assim: ‘Não há mácula’. Da mesma forma - com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade – o bhikkhu a dirige e a inclina para o conhecimento da consciência de outros seres. Ele compreende as mentes de outros seres, de outras pessoas, abarcando-as com a sua própria mente. Ele compreende uma mente afetada pelo desejo como afetada pelo desejo e uma mente não afetada pelo desejo como não afetada pelo desejo … Ele compreende uma mente libertada como libertada e uma mente não libertada como não libertada.



“Este, também, grande rei, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



(Recordação de Vidas Passadas)



93. “Com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento da recordação de vidas passadas. Ele se recorda das suas muitas vidas passadas, isto é, um nascimento, dois nascimentos, três nascimentos, quatro, cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta, cem, mil, cem mil, muitos ciclos cósmicos de contração, muitos ciclos cósmicos de expansão, muitos ciclos cósmicos de contração e expansão, ‘Lá eu tinha tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo daquele estado, eu ressurgi ali. Ali eu também tinha tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo daquele estado, eu ressurgi aqui.’ Assim ele se recorda das suas muitas vidas passadas nos seus modos e detalhes.



94. Tal como se um homem fosse do seu vilarejo a um outro vilarejo e desse vilarejo a mais um outro vilarejo e então, desse vilarejo de volta ao vilarejo onde ele mora. O pensamento lhe ocorreria, ‘Eu fui do meu vilarejo para aquele vilarejo ali. Ali eu fiquei em pé de tal forma, sentei de tal forma, falei de tal forma e permaneci em silêncio de tal forma. Daquele vilarejo eu fui para o outro vilarejo lá e lá eu fiquei em pé de tal forma, sentei de tal forma, falei de tal forma e permaneci em silêncio de tal forma. Desse vilarejo eu voltei para o meu vilarejo.’ [30] Da mesma forma - com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade – o bhikkhu a dirige para o conhecimento da recordação de vidas passadas Ele se recorda das suas muitas vidas passadas ... nos seus modos e detalhes.



“Este, também, grande rei, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



(O Olho Divino)



95. “Com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento do falecimento e reaparecimento dos seres. Por meio do olho divino, que é purificado e ultrapassa o humano, ele vê seres falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, afortunados e desafortunados. Ele compreende como os seres prosseguem de acordo com as suas ações desta forma: ‘Esses seres – dotados de má conduta com o corpo, linguagem e mente, que insultam os nobres, com o entendimento incorreto e realizando ações sob a influência do entendimento incorreto – com a dissolução do corpo, após a morte, renasceram num estado de privação, num destino infeliz, nos reinos inferiores, até mesmo no inferno. Porém estes seres - dotados de boa conduta com o corpo, linguagem e mente, que não insultam os nobres, com o entendimento correto e realizando ações sob a influência do entendimento correto – com a dissolução do corpo, após a morte, renasceram num destino feliz, no paraíso.’ Dessa forma - por meio do olho divino, que é purificado e ultrapassa o humano, ele vê seres falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, afortunados e desafortunados, e ele compreende como os seres prosseguem de acordo com as suas ações.



96. Tal como se houvessem duas casas com portas e um homem com boa visão parado entre elas visse as pessoas entrando nas casas e saindo, indo e vindo. Da mesma forma - com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável, e atingindo a imperturbabilidade – o bhikkhu a dirige para o conhecimento do falecimento e reaparecimento dos seres. Por meio do olho divino, que é purificado e sobrepuja o humano, ele vê seres falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, afortunados e desafortunados ... de acordo com as suas ações.



“Este, também, grande rei, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime.



(A Destruição das Impurezas Mentais)



97. “Com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento do fim das impurezas mentais. Ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘Isto é sofrimento’; ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘Esta é a origem do sofrimento’; ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘esta é a cessação do sofrimento’; ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘este é o caminho que conduz à cessação do sofrimento’; ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘essas são impurezas mentais’; ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘esta é a origem das impurezas’; ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘esta é a cessação das impurezas’; ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘este é o caminho que conduz à cessação das impurezas.’ Ao conhecer e ver, a sua mente está livre da impureza do desejo sensual, da impureza de ser/existir, da impureza da ignorância. Quando ela está libertada surge o conhecimento, ‘Libertada.’ Ele compreende que ‘O nascimento foi destruído, a vida santa foi vivida, o que deveria ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado.’



98. Tal como se houvesse uma lagoa num vale em uma montanha - clara, límpida e cristalina – em que um homem com boa visão, em pé na margem, pudesse ver conchas, cascalho e seixos e também cardumes de peixes nadando e descansando, isso lhe ocorreria, ‘Esta lagoa tem a água clara, límpida e cristalina. Ali estão aquelas conchas, cascalho e seixos e também aqueles cardumes de peixes nadando e descansando.’ Da mesma forma - com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento do fim das impurezas mentais. Ele compreende, da forma como na verdade é que: ‘Isto é sofrimento ... Esta é a origem do sofrimento ... Esta é a cessação do sofrimento ... Este é o caminho que conduz à cessação do sofrimento ... Estas são impurezas mentais ... Esta é a origem das impurezas ... Esta é a cessação das impurezas ... Este é o caminho que conduz à cessação das impurezas.’ Ao conhecer e ver, a sua mente está livre da impureza do desejo sensual, da impureza de ser/existir, da impureza da ignorância. Quando ela está libertada surge o conhecimento, ‘Libertada.’ Ele compreende que ‘O nascimento foi destruído, a vida santa foi vivida, o que devia ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado.’



“Este, também, grande rei, é um fruto da vida contemplativa, visível no aqui e agora, mais excelente do que os anteriores e mais sublime. E quanto a outro fruto visível da vida contemplativa, maior e mais sublime do que isto, não existe."



99. Quando isto foi dito, o rei Ajatasattu disse ao Abençoado: “Magnífico, venerável senhor! Magnífico! Como se colocasse em pé o que estava virado, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém perdido, ou segurasse uma lâmpada no escuro de forma que aqueles que possuem olhos possam ver as formas, da mesma forma o Abençoado – através de muitas linhas de argumentação – esclareceu o Dhamma. Eu busco refúgio no Abençoado, no Dhamma e na comunidade de bhikkhus. Que o Abençoado se lembre de mim como o discípulo leigo que tomou refúgio deste dia em diante para o resto da sua vida.



100. “Uma transgressão foi cometida por mim, venerável senhor, em que eu fui tão tolo, tão atrapalhado e tão inábil que matei meu pai – um homem justo, um rei justo – para obter o domínio do reinado. Que o Abençoado por favor aceite esta confissão da minha transgressão como tal, de forma que eu possa me refrear no futuro.” [31]



“Sim, grande rei, uma transgressão foi cometida por você, em que você foi tão tolo, tão atrapalhado e tão inábil que matou o seu pai – um homem justo, um rei justo – para obter o domínio do reinado. Porém, porque você vê a sua transgressão como tal e faz correções de acordo com o Dhamma, nós aceitamos a sua confissão. Pois é motivo de crescimento no Dhamma e Disciplina dos nobres quando, vendo uma transgressão como tal, a pessoa faz correções de acordo com o Dhamma e pratica a contenção no futuro."



101. Quando isto foi dito, o rei Ajatasattu disse ao Abençoado: “Bem, então, venerável senhor, eu partirei agora. Muitas são minhas tarefas, muitas minhas responsabilidades.”



“Agora é o momento, grande rei, faça como julgar adequado.”



102. Então, o rei Ajatasattu, tendo ficado satisfeito e contente com as palavras do Abençoado, levantou-se do seu assento, curvou-se ante o Abençoado e mantendo-o à sua direita partiu. Não muito tempo depois que o rei Ajatasattu havia partido, o Abençoado dirigiu-se aos bhikkhus: “ O rei está derrotado, bhikkhus, a sua sorte está selada. [32] Não tivesse ele matado o seu pai – aquele homem justo, aquele rei justo – o olho do Dhamma, [33] límpido, imaculado teria surgido nele enquanto ele estava sentado neste assento.”



Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado.









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Notas:



[1] O médico real. O MN 55 que explica as regras que se aplicam ao consumo de carne é dirigido a ele. [Retorna]



[2] Uposatha: neste caso denota um dia de jejum dos Brâmanes. Mais tarde, no Budismo, se converteu no dia de confissão dos monges. [Retorna]



[3] Kattika: meados de Outubro até meados de Novembro. [Retorna]



[4] Assim chamado devido à flor de lótus branca que floresce nesse mês. [Retorna]



[5] Reinou por volta de 491-459 A.C. Ele havia matado o pai, o Rei Bimbisara, para conquistar o trono. [Retorna]



[6] Ajatasattu tinha a mente angustiada por conta do seu crime. [Retorna]



[7] Aquele que treina os homens (que são capazes de serem treinados) tal como um cocheiro treina os cavalos. [Retorna]



[8] O filho que no final acabaria também matando o pai e que por sua vez acabaria sendo morto pelo filho. [Retorna]



[9] De acordo com DA este era um contemplativo nu. Esse tipo de idéias que envolvem a negação de qualquer tipo de recompensa ou punição por boas e más ações são consideradas no Budismo como particularmente perniciosas. [Retorna]



[10] Talvez devido ao peso na sua consciência. Mas essa observação também sugere o enorme respeito (nem sempre merecido) que esses mestres errantes recebiam. [Retorna]



[11] O líder dos Ajivikas. [Retorna]



[12] Hetu traduzido como ‘causa’ significa ‘raiz’ (ex: cobiça, raiva, delusão); paccaya significa ‘condição.’ [Retorna]



[13] Kamma: mas não com o mesmo significado Budista de ‘ação volitiva’. [Retorna]



[14] De acordo com as cinco faculdades dos sentidos. [Retorna]



[15] Pensamento, palavra e ação. [Retorna]



[16] ‘Meia ação’, apenas em pensamento. [Retorna]



[17] Divindades sob a forma de serpentes. [Retorna]



[18] A visão Budista de kamma é portanto negada. [Retorna]



[19] ‘Ajita com o Manto Peludo’ (ele usava um manto feito com cabelo humano): um materialista. [Retorna]



[20] Esta é uma doutrina moral materialista niilista que nega a vida após a morte e a conseqüência de kamma. “Não existe nada que é dado” significa que não existe fruto da generosidade; “não existe este mundo, nem outro mundo” significa que não existe renascimento neste mundo, nem num outro mundo; “não existe mãe, nem pai” significa que não existe fruto da boa conduta ou má conduta em relação à mãe e ao pai. O enunciado sobre contemplativos e brâmanes nega a existência de Budas e arahants. Seres que renasçem espontaneamente são devas criados pela mente e não através da relação sexual. [Retorna]



[21] Defendia uma teoria atomista. [Retorna]



[22] O nome dado no Cânone em Pali a Vardhamana Mahavira (aprox. 540-568 A.C.?), o líder dos Jainistas. Ele é várias vezes mencionado de modo desfavorável no Cânone, por exemplo no MN 56. [Retorna]



[23] Sabba-vari-varito, sabba-vari-yuto, sabba-vari-dhuto, sabba-vari-phutto. Isto não representa a doutrina Jainista genuína mas parece ser uma paródia fazendo uso de trocadilhos. Os Jainistas possuem uma regra de coibição em relação à água, e vari pode significar ‘água’, ‘coibição’, ou talvez ‘transgressão.’ A referência a ‘alguém livre de grilhões’ e no entanto atado por essas coibições (sejam quais forem) é um paradoxo deliberado. [Retorna]



[24] Ações meritórias, (puñña), não conduzem à iluminação, mas à felicidade (temporária) neste mundo ou noutro.[Retorna]



[25] O desenvolvimento da percepção da luz em geral é dado como um antídoto padrão para superar o obstáculo do torpor e preguiça. (thina-midha). [Retorna]



[26] Os cinco obstáculos são superados temporariamente nos estados de jhana. [Retorna]



[A] Veja o AN X.2. [Retorna]



[27] Este trecho mostra que a consciência, (viññana), não transmigra de uma vida para outra. No MN 38 o bhikkhu Sati foi censurado pelo Buda por ter essa idéia. Uma consciência de renascimento, (patisandhi), surge no momento da concepção, na dependência da consciência anterior. [Retorna]



[28] Veja nota 20 acima. Este corpo feito pela mente é aquilo que é confundido com uma alma ou eu. [Retorna]



[29] DA não apresenta um comentário que explique isto e os comentadores modernos também não dizem nada, mas ‘tocar o sol e a lua’ talvez se refira a algum tipo de experiência mental. [Retorna]



[30] De acordo com DA os três vilarejos são o reino da esfera sensual, o reino da matéria sutil e o reino imaterial. [Retorna]



[31] Esta é a fórmula empregada pelos bhikkhus ao confessar transgressões. [Retorna]



[32] Khatayam bhikkhave raja, upahatayam bhikkhave raja. Esta expressão indica que Ajatasattu estava obstaculizado pelo seu kamma de obter os resultados que seriam possíveis de outro modo, visto que o parricídio é um dos atos ruins com resultado imediato (no próximo mundo) que não pode ser evitado. [Retorna]



[33] O olho do Dhamma, (dhamma-cakkhu), é um termo para ‘entrar na correnteza.’ [Retorna]