quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Digha Nikaya 1 - Brahmajala Sutta

Digha Nikaya 1




Brahmajala Sutta



A Rede Suprema



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1.1. Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava caminhando pela estrada principal entre Rajagaha e Nalanda [1] acompanhado por uma comitiva de uns quinhentos bhikkhus. E o errante Suppiya também estava caminhando pela mesma estrada com o seu jovem pupilo Brahmadatta. E Suppiya [2] estava censurando de várias formas o Buda, o Dhamma e a Sangha, enquanto o seu pupilo Brahmadatta estava elogiando de várias formas o Buda, o Dhamma e a Sangha. E assim aqueles dois, mestre e pupilo, com opiniões contrárias, estavam seguindo de perto o Abençoado e a sua comitiva de bhikkhus.



1.2. Então o Abençoado parou para pernoitar com os bhikkhus no parque real de Ambalatthika. E Suppiya com o seu pupilo Brahmadatta também parou no mesmo parque para pernoitar. E Suppiya seguiu censurando de várias formas o Buda, o Dhamma e a Sangha, enquanto o seu pupilo Brahmadatta os defendia. E assim discutindo eles estavam perto do Abençoado e da sua comitiva de bhikkhus.



1.3. Agora, ao amanhecer, um grande número de bhikkhus, depois de se levantarem, reuniram-se no Pavilhão Circular e estavam conversando sobre o seguinte: “É maravilhoso, amigos, é admirável como o Abençoado, um arahant, perfeitamente iluminado, que sabe e vê, claramente distingue as diferentes inclinações dos seres! Pois aqui está o errante Suppiya censurando de várias formas o Buda, o Dhamma e a Sangha, enquanto o seu pupilo Brahmadatta os defende. E, ainda discutindo, eles seguem de perto o Abençoado e a comitiva de bhikkhus.”



1.4. Então, o Abençoado percebendo sobre o que os bhikkhus estavam conversando, foi até o Pavilhão Circular e sentou num assento que havia sido preparado. Então ele disse: “Bhikkhus, qual é o assunto que faz com que vocês estejam sentados juntos aqui agora? E qual é a discussão que foi interrompida?” E eles lhe disseram.



1.5. “Bhikkhus, se alguém falar difamando o Buda, o Dhamma ou a Sangha, vocês não deveriam ficar com raiva, ressentimento ou perturbação por conta disso. Se vocês ficarem com raiva ou descontentes, isso será apenas um obstáculo para vocês. Pois se outros difamam o Buda, o Dhamma ou a Sangha e vocês ficarem com raiva ou descontentes, será possível que vocês saibam se aquilo que eles dizem é correto ou não?” “Não, venerável senhor.” “Se alguém difamar o Buda, o Dhamma ou a Sangha, então vocês devem explicar aquilo que é incorreto como incorreto, dizendo: ‘Isso é incorreto, isso é falso, esse não é o nosso modo, esse tipo de coisa não é encontrada no nosso meio’.”



1.6. “Mas, bhikkhus, se alguém falar elogiando o Buda, o Dhamma, ou a Sangha, vocês não deveriam ficar satisfeitos, contentes ou exultantes por conta disso. Se vocês ficarem satisfeitos, contentes ou exultantes com o elogio, isso será apenas um obstáculo para vocês. Se alguém elogiar o Buda, o Dhamma, ou a Sangha, vocês devem reconhecer a verdade daquilo que é verdadeiro, dizendo: ‘Isso é correto, isso é verdadeiro, esse é o nosso modo, esse tipo de coisa é encontrada no nosso meio’.”



1.7. “Bhikkhus, é com relação a questões elementares e subordinadas no que diz respeito à prática da virtude [3] que a pessoa comum [4] elogiaria o Tathagata. E quais são essas questões elementares e subordinadas pelas quais a pessoa comum o elogiaria?”



(A Pequena Seção sobre a Virtude)



1.8. “’Abandonando o tirar a vida de outros seres, o contemplativo Gotama se abstém de tirar a vida de outros seres; ele permanece com a sua vara e arma postas de lado, bondoso e gentil, compassivo com todos os seres vivos.” Assim a pessoa comum elogiaria o Tathagata.[5]



“’Abandonando o tomar o que não é dado, o contemplativo Gotama se abstém de tomar o que não é dado. Ele somente toma aquilo que é dado, aceita somente aquilo que é dado.



“’Abandonando o não celibato, o contemplativo Gotama vive uma vida celibatária, vive separado, abstendo-se da prática vulgar do ato sexual.



1.9. “’Abandonando a linguagem mentirosa, o contemplativo Gotama se abstém da linguagem mentirosa. Ele fala a verdade, mantém a verdade, é firme e confiável, não é um enganador do mundo. Abandonando a linguagem maliciosa, ele se abstém da linguagem maliciosa. O que ele ouviu aqui ele não conta ali para separar aquelas pessoas destas. O que ele ouviu lá ele não conta aqui para separar estas pessoas daquelas. Assim ele reconcilia aquelas pessoas que estão divididas, promove a amizade, ele ama a concórdia, se delicia com a concórdia, desfruta da concórdia, diz coisas que criam a concórdia. Abandonando a linguagem grosseira, ele se abstém da linguagem grosseira. Ele diz palavras que são gentis, que agradam aos ouvidos, carinhosas, que penetram o coração, que são corteses, desejadas por muitos e que agradam a muitos. Abandonando a linguagem frívola, ele se abstém da linguagem frívola. Ele fala na hora certa, diz o que é fato, aquilo que é bom, fala de acordo com o Dhamma e a Disciplina; nas horas adequadas ele diz palavras que são úteis, racionais, moderadas e que trazem benefício.



1.10. “O contemplativo Gotama se abstém de danificar sementes e plantas. Ele come somente uma vez ao dia, privando-se da refeição noturna e de alimentos nas horas incorretas. Ele se abstém de dançar, cantar, música e de espetáculos teatrais. Ele se abstém de usar ornamentos e de embelezar-se com perfumes e cosméticos. Ele se abstém de leitos e assentos luxuosos. Ele se abstém de aceitar ouro e dinheiro. Ele se abstém de aceitar grãos que não estejam cozidos ... carne crua ... mulheres e garotas ... escravos e escravas ... cabras e ovelhas ... aves e porcos ... elefantes, gado, cavalos e éguas ... terras e propriedades. Ele se abstém de fazer pequenas tarefas e levar mensagens ... de comprar e vender ... de lidar com balanças falsas, metais falsos, falsas medidas ... suborno, burla e fraude. Ele se abstém de mutilar, executar, aprisionar, roubar, pilhar e violentar.”



(A Seção Intermediária sobre a Virtude)



1.11. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a danificar sementes e plantas como estas - plantas que se propagam pelas raízes, caules, juntas, germinações e sementes - o contemplativo Gotama se abstém de danificar sementes e plantas como essas.



1.12. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a consumir mercadorias armazenadas tais como estas - comida armazenada, bebidas armazenadas, roupas armazenadas, veículos armazenados, roupas de cama armazenadas, perfumes armazenados, carne armazenada - o contemplativo Gotama se abstém de consumir mercadorias armazenadas como essas.



1.13. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a assistir espetáculos como estes – danças, canto, instrumentos musicais, recitações de baladas, bater palmas, címbalos e tambores, cenas pintadas, truques acrobáticos e de súplicas, luta de elefantes, luta de cavalos, luta de búfalos, touradas, luta de bodes, luta de carneiros, briga de galos, luta de codornas; luta com paus, boxe, luta livre, jogos de guerra, listas de chamadas, planos de batalha, e paradas militares – o contemplativo Gotama se abstém de assistir espetáculos como esses.



1.14. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a jogos insensatos e ociosos como estes – xadrez de oito filas, xadrez de dez filas, xadrez no ar, amarelinha, jogo de varetas, dados, jogos com paus, desenhos com a mão, jogos com bola, soprar flautas de brinquedo, brincar com arados de brinquedo, piruetas, brincar com moinhos de vento de brinquedo, medidas de brinquedo, carruagens de brinquedo, arcos de brinquedo, adivinhar letras desenhadas no ar, adivinhar pensamentos, imitando deformidades – o contemplativo Gotama se abstém de jogos insensatos e ociosos como esses.



1.15. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a uma mobília alta e luxuosa como essas – sofás de grande tamanho, enfeitados com animais esculpidos; colchas felpudas, com retalhos multicoloridos, de lã branca, de lã bordadas com flores ou figuras de animais, acolchoadas, com franjas, de seda bordadas com pedras preciosas; carpetes grandes de lã; tapetes com elefantes, cavalos e carruagens, tapetes de pele de antílope, tapetes de pele de gamo; camas com baldaquino, com almofadas vermelhas para a cabeça e os pés – o contemplativo Gotama se abstém de usar mobílias altas e luxuosas como essas.



1.16. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a perfumes, cosméticos, e meios de embelezamento como estes – pós para massagear o corpo, massagem com óleos, banho em água perfumada, massagem nos membros, usar espelhos, pomadas, ornamentos, perfumes, cremes, pós de arroz, máscara, braceletes, tiaras, bengalas decoradas, garrafas de água ornamentadas, espadas, guarda sóis enfeitados, sandálias decoradas, turbantes, pedras preciosas, espanador feito de pelos de yak, túnicas longas com franjas – o contemplativo Gotama se abstém de usar perfumes, cosméticos e meios de embelezamento como esses.



1.17. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a falar de tópicos inferiores como estes – falar sobre reis, ladrões, ministros de estado, exércitos, alarmes e batalhas; comida e bebida, roupas, mobília, ornamentos e perfumes, parentes; veículos; vilarejos, vilas, cidades, o campo; mulheres e heróis; as fofocas das ruas e do poço; contos dos mortos; contos da diversidade (discussões filosóficas do passado e futuro), a criação do mundo e do mar e conversa acerca de se as coisas existem ou não – o contemplativo Gotama se abstém de falar de tópicos inferiores como esses.



1.18. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a debates tais como estes – ‘Você entende esta doutrina e disciplina? Eu sou aquele que entende esta doutrina e disciplina. Como pode você entender esta doutrina e disciplina? A sua prática é incorreta. Eu pratico corretamente. Eu sou consistente. Você não é. O que deve ser dito primeiro você fala por último. O que deve ser dito por último você fala primeiro. O que lhe tardou tanto tempo para pensar foi refutado. A sua doutrina foi derrubada. Você está derrotado. Vá e tente salvar a sua doutrina; solte a si mesmo se você puder!’ – o contemplativo Gotama se abstém de debates tais como estes.



1.19. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, estão habituados a levar mensagens e fazer pequenas tarefas para pessoas tais como estas – reis, ministros de estado, nobres guerreiros, brâmanes, contemplativos, chefes de família, ou jovens (que dizem), ‘Venha aqui, vá ali, leve isto lá, vá buscar e traga isto aqui’ – o contemplativo Gotama se abstém de levar mensagens e fazer pequenas tarefas para pessoas como essas.



1.20. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, se ocupam com tramar, persuadir, aconselhar, depreciar e perseguir o ganho com o ganho, o contemplativo Gotama se abstém de tramar e persuadir (maneiras inadequadas de obter apoio material de doadores) e fazer pequenas tarefas tais como essas.



(A Grande Seção sobre a Virtude)



1.21. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, por meio de artes inferiores assim como: leitura de marcas nos membros [ex: quiromancia]; leitura de presságios e sinais; interpretação de eventos celestiais [estrelas cadentes, cometas]; interpretação de sonhos; leitura de marcas no corpo [ex: frenologia]; leitura de marcas em tecidos roídos por ratos; oblação oferecida com o fogo, oblação de uma concha, oblação de palhas, pó de arroz, gorduras, e óleo; oferecer oblações com a boca; oferecer sacrifícios de sangue; fazer previsões baseadas nas pontas dos dedos; geomancia; deitar demônios em um cemitério; colocar feitiços em espíritos; recitar feitiços protetores em casas; encantar serpentes, xamanismo com venenos, xamanismo com escorpiões, xamanismo com ratos, xamanismo com pássaros, xamanismo com corvos; ler a sorte com base em visões; dar encantos protetores; interpretar o chamado de pássaros e animais, o contemplativo Gotama se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores como essas.



1.22. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, através de artes inferiores assim como: determinar o que traz e não traz a sorte com pedras preciosas, roupas, bengalas, espadas, lanças, flechas, arcos, e outras armas; mulheres, meninos, meninas, escravos, escravas; elefantes, cavalos, búfalos, touros, vacas, bodes, carneiros, aves, codornas, lagartos, roedores com orelhas grandes, tartarugas, e outros animais – o contemplativo Gotama se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores como essas.



1.23. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, através de artes inferiores como prever que: os regentes marcharão para a frente; os regentes marcharão para a frente e retornarão; nossos regentes atacarão e os regentes deles recuarão; os regentes deles atacarão e os nossos regentes recuarão; haverá triunfo para os nossos regentes e derrota para os regentes deles; haverá triunfo para os regentes deles e derrota para os nossos regentes; dessa forma haverá triunfo, dessa forma haverá derrota - o contemplativo Gotama se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores como essas.



1.24. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, através de artes inferiores como prever que: haverá um eclipse lunar; haverá um eclipse solar; haverá a ocultação de um astro; o sol e a lua continuarão no seu curso normal; o sol e a lua sairão do caminho; os astros seguirão no seu curso normal; os astros sairão do caminho; haverá uma chuva de meteoros; haverá um escurecimento do céu; haverá um terremoto; haverá trovões vindo de um céu claro; haverá um nascer, um por, um escurecimento, um brilho mais intenso do sol, lua, e astros; assim será o resultado do eclipse lunar...o nascer, por, escurecimento, brilho mais intenso do sol, lua e astros - o contemplativo Gotama se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores como essas



1.25. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, por meio de artes inferiores como prever que: haverá chuva em abundância; haverá uma seca; haverá abundância; haverá fome; haverá paz e segurança; haverá insegurança; haverá doença; não haverá doença; ou eles ganham a vida fazendo contas, contabilidade, cálculos, compondo poesias, ou ensinando artes e doutrinas hedonísticas - o contemplativo Gotama se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores como essas



1.26. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, por meio de artes inferiores como: calcular as datas mais auspiciosas para casamentos, noivados, divórcios; para cobrar dívidas ou fazer investimentos e empréstimos; para ser atraente ou não atraente; curar mulheres que abortaram; recitar feitiços para amarrar a língua de um homem, para paralisar a sua mandíbula, para fazer com que ele perca o controle das mãos, ou torná-lo surdo; obter respostas de oráculo a questões dirigidas a um espelho, a uma jovem garota, ou a um médium espiritual; cultuar o sol, cultuar o Grande Brahma, fazer sair chamas pela boca, invocar à deusa da sorte - o contemplativo Gotama se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores como essas.



1.27. “’Enquanto alguns brâmanes e contemplativos, vivendo de alimentos dados em boa fé, mantêm a si mesmos através de um modo de vida incorreto, através de artes inferiores como: prometer presentes para divindades em troca de favores; cumprir essas promessas; demonologia; ensinar feitiços que protegem as casas; induzir virilidade e impotência; consagrar terrenos para construção; dar colutórios cerimoniais e banhos cerimoniais; oferecer fogueiras de sacrifício; preparar eméticos, purgativos, expectorantes, diuréticos, curas para dor de cabeça; preparar óleo para os ouvidos, gotas para os olhos, óleo para tratamento através do nariz, colírio e antídotos; curar cataratas, praticar cirurgia, praticar como pediatra, prescrever medicamentos e tratamentos para curar efeitos colaterais - o contemplativo Gotama se abstém do modo de vida incorreto, através de artes inferiores como essas. Bhikkhus, é com relação a essas questões elementares e subordinadas no que diz respeito à prática da virtude que a pessoa comum elogiaria o Tathagata.”



1.28. “Há, bhikkhus, outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta. E quais são essas questões?”



(Os Sessenta e Dois tipos de Entendimento Incorreto)



1.29. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que especulam sobre o passado, possuem idéias acerca do passado, fazem várias alegações doutrinárias em relação ao passado, de dezoito modos distintos. Com base em que, com qual fundamento eles fazem isso?



1.30. “Há alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a eternidade, que afirmam a eternidade do eu e do mundo de quatro modos distintos. Com base em que?



1.31. [Entendimento Incorreto 1][6] : “Neste caso, bhikkhus, um contemplativo ou brâmane através do ardor, esforço, devoção, diligência e atenção correta alcança uma tal concentração da mente que, quando a sua mente está concentrada, ele se recorda das vidas passadas - um nascimento, dois nascimentos, três nascimentos, quatro, cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta, cem, mil, cem mil, várias centenas de milhares de nascimentos - ‘Lá eu tinha tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo daquele estado, eu ressurgi ali. Ali eu também tinha tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo daquele estado, eu ressurgi aqui.’ Assim ele se recorda das suas muitas vidas passadas nos seus modos e detalhes. E ele diz: ‘O eu e o mundo são eternos, estéreis [7] como o pico de uma montanha, plantados firmes como um pilar. Esses seres correm em círculos, transitam, falecem e renascem, mas assim permanecem eternamente. Por que isso? Através do ardor, esforço, devoção, diligência e atenção correta, alcancei uma tal concentração da mente que, quando a minha mente está concentrada, eu me recordo das vidas passadas ... Assim é como sei que o eu e o mundo são eternos ...’ Esse é o primeiro modo através do qual alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a eternidade do eu e do mundo.



1.32. [Entendimento Incorreto 2] “E qual é o segundo modo? Neste caso um contemplativo ou brâmane através do ardor, esforço, devoção, diligência e atenção correta alcança uma tal concentração da mente que, quando a sua mente está concentrada, ele se recorda de um ciclo de contração e expansão cósmica, dois ciclos, três, quatro, cinco, dez ciclos de contração e expansão cósmica ... ‘Lá eu tinha tal nome. ...’ Esse é o segundo modo através do qual alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a eternidade do eu e do mundo.



1.33. [Entendimento Incorreto 3] “E qual é o terceiro modo? Neste caso um contemplativo ou brâmane através do ardor ... ele se recorda de dez ciclos de contração e expansão cósmica, vinte ciclos, trinta, quarenta ciclos de contração e expansão cósmica ... ‘Lá eu tinha tal nome. ...’ Esse é o terceiro modo através do qual alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a eternidade do eu e do mundo.



1.34. [Entendimento Incorreto 4] “E qual é o quarto modo? Neste caso um contemplativo ou brâmane é um racionalista. Elaborando através da razão, seguindo a sua própria linha de raciocínio, ele argumenta: “O eu e o mundo são eternos, estéreis como o pico de uma montanha, plantados firmes como um pilar. Esses seres correm em círculos, transitam, falecem e renascem, mas assim permanecem eternamente.” Esse é o quarto modo através do qual alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a eternidade do eu e do mundo.



1.35. “Esses são os quatro modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a eternidade, e afirmam a eternidade do eu e do mundo. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem a eternidade, e que afirmem a eternidade do eu e do mundo, assim o fazem com base em um ou outro desses quatro modos. Não há outra forma.



1.36. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



1.37. “Há, bhikkhus, outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta. E quais são essas questões?”



[Fim da Primeira Recitação]



2.1. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam em parte a eternidade e em parte a não-eternidade, que afirmam a eternidade parcial e a não-eternidade parcial do eu e do mundo de quatro modos distintos. Com base em que?



2.2. “Haverá um tempo, bhikkhus, quando, cedo ou tarde, após um longo período, este mundo irá se contrair. Numa época de contração, os seres nascem principalmente no mundo de Abhassara.[8] E lá eles permanecem feitos de mentalidade,[9] alimentados pelo êxtase, [10] luminosos, movendo-se através do espaço, gloriosos – e assim eles permanecem por um longo tempo.



2.3. [Entendimento Incorreto 5] “Mas cedo ou tarde, depois de um longo período, o mundo começa novamente a se expandir. Nesse mundo em expansão aparece um palácio de Brahma vazio. [11] Então um ser, com a exaustão do seu tempo de vida ou dos seus méritos, [12] deixa o mundo de Abhassara e renasce no palácio de Brahma vazio. E lá ele permanece, feito de mentalidade, alimentado pelo êxtase, luminoso, movendo-se através do espaço, glorioso – e assim ele permanece por um longo tempo.



2.4. “Então, nesse ser que ficou só por tanto tempo, surge a inquietação, o descontentamento e a preocupação, ele pensa: ‘Oh, se pelo menos alguns outros seres aqui viessem!’ E outros seres, com a exaustão do seu tempo de vida ou dos seus méritos, deixam o mundo de Abhassara e renascem no palácio de Brahma como companheiros daquele ser. E lá eles permanecem, feitos de mentalidade ... e assim eles permanecem por um longo tempo.



2.5. “Depois, bhikkhus, aquele ser que primeiro ali surgiu pensa: ‘Eu sou Brahma, o Grande Brahma, o Conquistador, o Não-conquistado, Omnisciente, Todo Poderoso, Senhor, Deus e Criador, Soberano, Providência Divina, Pai de todos aqueles que são e serão. Esses seres foram criados por mim. Como assim? Porque eu primeiro pensei: “Oh, se pelo menos alguns outros seres aqui viessem!” Esse foi o meu desejo e assim esses seres foram aqui criados.’ E aqueles seres que ali renasceram também pensam: ‘Ele, amigos, é Brahma, o Grande Brahma, o Conquistador, o Não-conquistado, Omnisciente, Todo Poderoso, Senhor, Deus e Criador, Soberano, Providência Divina, Pai de todos aqueles que são e serão. Como assim? Nós vimos que ele estava aqui primeiro e que nós surgimos depois dele.’



2.6. “E aquele ser que surgiu primeiro tem vida mais longa, é mais belo e mais poderoso do que os outros. E pode acontecer que algum daqueles seres deixe aquele mundo e renasça neste mundo. Tendo renascido neste mundo, ele deixa a vida em família e segue a vida santa. Tendo assim feito, através do ardor, esforço, devoção, diligência e atenção correta ele alcança uma tal concentração da mente que, quando a sua mente está concentrada, ele se recorda da sua última existência, mas não se recorda de nenhuma antes daquela. E ele pensa: ‘Aquele Brahma, ... ele nos fez, e ele é permanente, interminável, eterno, não sujeito à mudança e que irá durar tanto tempo quanto a eternidade. Mas nós que fomos criados por aquele Brahma, nós somos impermanentes, terminantes, transitórios, sujeitos à mudança, com a vida curta e nós viemos para este mundo.’ Esse é o primeiro modo através do qual alguns contemplativos e Brâmanes afirmam em parte a Eternidade e em parte a Não-eternidade.



2.7. [Entendimento Incorreto 6] “E qual é o segundo modo? Há, bhikkhus, certos devas chamados Corrompidos pelo Prazer. [13] Eles gastam um tempo excessivo se regozijando, brincando e se divertindo, de modo que a sua atenção plena é dissipada e com a dissipação da atenção plena aqueles seres deixam aquele estado.



2.8. “E pode acontecer que algum daqueles seres que deixaram aquele mundo renasça neste mundo. Tendo renascido neste mundo, ele deixa a vida em família e segue a vida santa. Tendo assim feito, através do através do ardor, esforço ... ele se recorda da sua última existência, mas não se recorda de nenhuma antes daquela.



2.9. “Ele pensa: ‘Aqueles veneráveis devas que não estão corrompidos pelo prazer não gastam um tempo excessivo se regozijando, brincando e se divertindo. Desse modo, a atenção plena deles não é dissipada e assim eles não deixam aquele estado. Eles são permanentes, intermináveis, eternos, não sujeitos à mudança e que irão durar tanto tempo quanto a eternidade. Mas nós, que fomos corrompidos pelo prazer, gastamos um tempo excessivo nos regozijando, brincando e nos divertindo. Portanto, nós, com a dissipação da atenção plena, deixamos aquele estado, nós somos impermanentes, terminantes, transitórios, sujeitos à mudança, com a vida curta e nós viemos para este mundo.’ Esse é o segundo modo.



2.10. [Entendimento Incorreto 7] “E qual é o terceiro modo? Há, bhikkhus, certos devas chamados Mente Corrompida. [14] Eles gastam um tempo excessivo observando um ao outro com inveja. Dessa forma a mente deles é corrompida. Por conta da mente corrompida o corpo e a mente deles ficam exaustos. E eles deixam aquele estado.



2.11“E pode acontecer que algum daqueles seres que deixaram aquele mundo renasça neste mundo ... ele se recorda da sua última existência, mas não se recorda de nenhuma antes daquela.



2.12. “Ele pensa: ‘Aqueles veneráveis devas que não estão com a mente corrompida não gastam um tempo excessivo observando um ao outro com inveja ... A mente deles não é corrompida e o corpo e a mente deles não ficam exaustos e assim eles não deixam aquele estado. Eles são permanentes, intermináveis, eternos ... Mas nós que tivemos a mente corrompida ... somos impermanentes, terminantes, transitórios, sujeitos à mudança, com a vida curta e nós viemos para este mundo.’ Esse é o terceiro modo.



2.13. [Entendimento Incorreto 8] “E qual é o quarto modo? Neste caso, um contemplativo ou brâmane é um racionalista. Elaborando através da razão, seguindo a sua própria linha de raciocínio, ele argumenta: ‘Aquilo que é chamado olho, ouvido, nariz, língua e corpo é um eu que é impermanente, terminante, transitório, sujeito à mudança. Mas aquilo que é chamado mente, [15] esse é um eu que é permanente, interminável, eterno, não sujeito à mudança, e que irá durar tanto tempo quanto a eternidade!’ Esse é o quarto modo.



2.14. “Esses são os quatro modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes afirmam em parte a eternidade e em parte a não-eternidade ... Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem em parte a eternidade e em parte a não-eternidade, assim o fazem com base em um ou outro desses quatro modos. Não há outra forma.



2.15. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



2.16. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a finitude e a infinitude, que afirmam a finitude e a infinitude do mundo de quatro modos distintos. Quais são eles?



2.17. [Entendimento Incorreto 9] “Neste caso, um contemplativo ou Brâmane através do ardor, esforço, ... alcança uma tal concentração da mente que, quando a sua mente está concentrada ele permanece percebendo o mundo como finito. Ele pensa: ‘Este mundo é finito e delimitado por um círculo. Como assim? Porque eu ... alcancei uma tal concentração da mente que, quando a minha mente está concentrada, eu permaneço percebendo o mundo como finito. Por conseguinte, eu sei que o mundo é finito e delimitado por um círculo.’ Esse é o primeiro modo.



2.18. [Entendimento Incorreto 10] “E qual é o segundo modo? Neste caso, um contemplativo ou Brâmane através do ardor, esforço, ... alcança uma tal concentração da mente que, quando a sua mente está concentrada ele permanece percebendo o mundo como infinito. Ele pensa: ‘Este mundo é infinito e sem limitações. Como assim? Porque eu ... alcancei uma tal concentração da mente que, quando a minha mente está concentrada, eu permaneço percebendo o mundo como infinito. Por conseguinte, eu sei que o mundo é infinito e sem limitações.’ Esse é o segundo modo.



2.19. [Entendimento Incorreto 11] “E qual é o terceiro modo? Neste caso, um contemplativo ou Brâmane através do ardor, esforço, ... alcança uma tal concentração da mente que, quando a sua mente está concentrada ele permanece percebendo o mundo como finito para cima e para baixo e infinito de lado a lado. Ele pensa: ‘Este mundo é finito e infinito. Aqueles contemplativos e Brâmanes que dizem que ele é finito estão errados, e aqueles que dizem que ele é infinito estão errados. Como assim? Porque eu ... alcancei uma tal concentração da mente que, quando a minha mente está concentrada, eu permaneço percebendo o mundo como finito para cima e para baixo e infinito de lado a lado. Por conseguinte, eu sei que o mundo é ambos finito e infinito.’ Esse é o terceiro modo.



2.20. [Entendimento Incorreto 12] “E qual é o quarto modo? Neste caso, um contemplativo ou brâmane é um racionalista. Elaborando através da razão, seguindo a sua própria linha de raciocínio, ele argumenta: ‘Este mundo não é nem finito e tampouco infinito. Aqueles que dizem que ele é finito estão errados e aqueles que dizem que ele é infinito estão errados, e aqueles que dizem que ele é finito e infinito estão errados. O mundo não é nem finito e tampouco infinito.’ Esse é o quarto modo.



2.21. “Esses são os quatro modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a finitude e a infinitude, que afirmam a finitude e a infinitude do mundo ... Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem a finitude e a infinitude, que afirmem a finitude e a infinitude do mundo, assim o fazem com base em um ou outro desses quatro modos. Não há outra forma.



2.22. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



2.23. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que se contorcem como enguias.[16] Ao serem questionados sobre este ou aquele assunto, eles recorrem à evasão verbal, contorcendo-se como uma enguia, de quatro modos distintos. Quais são eles?



2.24. [Entendimento Incorreto 13] “Neste caso um contemplativo ou Brâmane não sabe como na verdade é, se uma coisa é benéfica ou prejudicial. Ele pensa: ‘Eu na verdade não sei se isto é benéfico ou prejudicial. Sem saber o que é correto, eu poderia declarar: “Isso é benéfico” ou, “Isso é prejudicial”, e essa afirmação poderia ser uma mentira e isso me causaria aflição. E se eu ficar aflito, isso seria um obstáculo para mim. [17] Assim, temendo dizer uma mentira, abominando o mentir, [18] ele não declara que uma coisa é benéfica ou prejudicial, mas quando questionado sobre este ou aquele assunto, ele recorre à evasão verbal, contorcendo-se como uma enguia: ‘Eu não digo que é dessa forma. E eu não digo que é daquela forma. E eu não digo que é de outra forma. E eu não digo que não é dessa forma. E eu não digo que não não é dessa forma.’ Esse é o primeiro modo.



2.25. [Entendimento Incorreto 14] “E qual é o segundo modo? Neste caso, um contemplativo ou Brâmane não sabe como na verdade é, se uma coisa é benéfica ou prejudicial. Ele pensa: ‘Eu poderia declarar: “Isso é benéfico” ou, “Isso é prejudicial”, e eu poderia sentir desejo ou cobiça, raiva ou aversão. Se eu sentisse desejo, cobiça, raiva ou aversão, isso seria apego da minha parte. Se eu sentisse apego isso me causaria aflição. E se eu ficar aflito, isso seria um obstáculo para mim.’ Assim, temendo o apego, abominando o apego, ele recorre à evasão verbal ... Esse é o segundo modo.



2.26. [Entendimento Incorreto 15] “E qual é o terceiro modo? Neste caso, um contemplativo ou Brâmane não sabe como na verdade é, se uma coisa é benéfica ou prejudicial. Ele pensa: ‘Eu poderia declarar: “Isso é benéfico” ou, “Isso é prejudicial”, mas há contemplativos e brâmanes que são instruídos, expertos, conhecedores das doutrinas dos outros, astutos como franco-atiradores precisos; eles andam por aí, por assim dizer, demolindo as idéias dos outros com a sua inteligência arguta, e eles poderão me questionar, exigindo que eu me justifique e argumente. E pode ser que eu não seja capaz de responder. Não sendo capaz de responder isso me causaria aflição. E se eu ficar aflito, isso seria um obstáculo para mim.’ Assim, temendo o debate, abominando o debate, ele recorre à evasão verbal ... Esse é o terceiro modo.



2.27. [Entendimento Incorreto 16] “E qual é o quarto modo? Neste caso, um contemplativo ou Brâmane é tolo e estúpido. Devido à sua tolice e estupidez, quando questionado ele recorre à evasão verbal, contorcendo-se como uma enguia: ‘Se você me perguntasse se existe um outro mundo (após a morte), se eu pensasse que existe um outro mundo, eu o declararia para você? Eu não creio. Eu não penso dessa forma. Eu não penso de outra forma. Eu não penso que não. Eu não penso que não não. Se você me perguntasse se não existe um outro mundo ... ambos, existe e não existe ... nem existe, nem não existe ... se existem seres que transmigram ... se não existem ... ambos, existem e não ... nem existem, nem não ... se o Tathagata existe após a morte ... não existe ... ambos ... nem existe, nem não existe após a morte, eu o declararia para você? Eu não creio. Eu não penso dessa forma. Eu não penso de outra forma. Eu não penso que não. Eu não penso que não não.’ Esse é o quarto modo.



2.28. “Esses são os quatro modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes se contorcem como enguias. Ao serem questionados sobre este ou aquele assunto, eles recorrem à evasão verbal, contorcendo-se como uma enguia. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que ao serem questionados sobre este ou aquele assunto, recorrem à evasão verbal, contorcendo-se como uma enguia, assim o fazem com base em um ou outro desses quatro modos. Não há outra forma.



2.29. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



2.30. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a origem fortuita, que afirmam a origem fortuita do eu e do mundo de dois modos distintos. Quais são eles?



2.31. [Entendimento Incorreto 17] “Há, bhikkhus, certos devas chamados não percipientes. [19] Assim que uma percepção surge neles, eles deixam aquele mundo. E pode acontecer que algum daqueles seres que deixaram aquele mundo renasça neste mundo ... ele se recorda da sua última existência, mas não se recorda de nenhuma antes daquela. Ele pensa: ‘O eu e o mundo têm origem fortuita. Como assim? Porque antes eu não era, mas agora sou. Não sendo, passei a ser.’ Esse é o primeiro modo.



2.32. [Entendimento Incorreto 18] “Qual é o segundo modo? Neste caso um contemplativo ou brâmane é um racionalista. Elaborando através da razão, seguindo a sua própria linha de raciocínio, ele argumenta: ‘O eu e o mundo têm origem fortuita.’ Esse é o segundo modo.



2.33. “Esses são os dois modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a origem fortuita, afirmam a origem fortuita do eu e do mundo. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem a origem fortuita, que afirmem a origem fortuita do eu e do mundo, assim o fazem com base em um ou outro desses dois modos. Não há outra forma.



2.34. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



2.35. “Esses, bhikkhus, são os dezoito modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes especulam sobre o passado, possuem idéias acerca do passado, fazem várias alegações doutrinárias em relação ao passado. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que especulem sobre o passado, possuam idéias acerca do passado, façam várias alegações doutrinárias em relação ao passado, assim o fazem com base em um ou outro desses dezoito modos. Não há outra forma



2.36. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



2.37. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que especulam sobre o futuro, que possuem idéias acerca do futuro, que fazem várias alegações doutrinárias em relação ao futuro, de quarenta e quatro modos distintos. Com base em que, com qual fundamento eles fazem isso?



2.38. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a sobrevivência perceptiva após a morte, e eles assim o fazem de dezesseis modos distintos. Com base em que?



[Entendimento Incorreto 19-34] “Eles afirmam que após a morte o eu é perceptivo e intacto e (1) material,[20] (2) imaterial,[21] (3) ambos material e imaterial, (4) nem material e tampouco imaterial, (5) finito, (6) infinito, (7) ambos, (8) nenhum dos dois, (9) perceptivo da unidade, (10) perceptivo da diversidade, (11) perceptivo do limitado, (12) perceptivo do imensurável, (13) experimentando exclusivamente o prazer, (14) experimentando exclusivamente a dor, (15) uma mescla de ambos, (16) nenhum dos dois.



2.39. “Esses são os dezesseis modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a sobrevivência perceptiva após a morte. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem a sobrevivência perceptiva após a morte, assim o fazem com base em um ou outro desses dezesseis modos. Não há outra forma.



2.40. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



[Fim da Segunda Recitação]



3.1. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a sobrevivência não-perceptiva após a morte, e eles assim o fazem de dezesseis modos distintos. Com base em que?



3.2. [Entendimento Incorreto 35-42] “Eles afirmam que após a morte o eu é não-perceptivo e intacto e (1) material, (2) imaterial, (3) ambos, material e imaterial, (4) nem material e tampouco imaterial, (5) finito, (6) infinito, (7) ambos, (8) nenhum dos dois.[22]



3.3. “Esses são os dezesseis modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a sobrevivência não-perceptiva após a morte. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem a sobrevivência não-perceptiva após a morte, assim o fazem com base em um ou outro desses dezesseis modos. Não há outra forma.



3.4. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



3.5. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a sobrevivência nem perceptiva e tampouco não-perceptiva após a morte, e eles assim o fazem de oito modos distintos. Com base em que?



3.6. [Entendimento Incorreto 43-50] “Eles afirmam que após a morte o eu é nem perceptivo e tampouco não-perceptivo e intacto e (1) material, (2) imaterial, (3) ambos, material e imaterial, (4) nem material e tampouco imaterial, (5) finito, (6) infinito, (7) ambos, (8) nenhum dos dois. [23]



3.7. “Esses são os oito modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a sobrevivência nem perceptiva e tampouco não-perceptiva após a morte. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem a sobrevivência nem perceptiva e tampouco não-perceptiva após a morte, assim o fazem com base em um ou outro desses oito modos. Não há outra forma.



3.8. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



3.9. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam a aniquilação, a destruição e a não existência dos seres, e eles assim o fazem de sete modos distintos. Com base em que?



3.10. [Entendimento Incorreto 51] “Neste caso, alguns contemplativos e brâmanes afirmam e acreditam que: ‘Posto que o eu possui forma, composto dos quatro grandes elementos, nascido de mãe e pai, esse eu, com a dissolução do corpo é aniquilado, destruído e não existe após a morte. Desse modo o eu é aniquilado.’ Assim é como alguns afirmam a aniquilação, destruição e a não existência dos seres.



3.11. [Entendimento Incorreto 52] “Outros afirmam: ‘Senhores, há esse eu que vocês afirmam. Eu não nego isso. Mas esse eu não é aniquilado por completo. Pois há um outro eu, divino, [24] possui forma, pertencente ao reino da esfera sensual, [25] se alimenta de comida.[26] Você não o conhece ou vê, mas eu sim. É esse eu que com a dissolução do corpo é aniquilado ...’[27]



3.12. [Entendimento Incorreto 53] “Outros afirmam: ‘Senhores, há esse eu que vocês afirmam. Eu não nego isso. Mas esse eu não é aniquilado por completo. Pois há um outro eu, divino, possui forma, feito pela mente, [28] completo com todas as suas partes, sem defeito em nenhuma das faculdades ... É esse eu que com a dissolução do corpo é aniquilado ...’



3.13. [Entendimento Incorreto 54] “Outros afirmam: ‘Senhores, há esse eu que vocês afirmam ... há um outro eu que com a completa superação das sensações corporais, com o desaparecimento das percepções do contato sensorial, sem dar atenção às percepções da diversidade, consciente de que o ‘espaço é infinito,’ entra e permanece na base do espaço infinito.[29] É esse eu que com a dissolução do corpo é aniquilado ...’



3.14. [Entendimento Incorreto 55] “Outros afirmam: ‘Há um outro eu que, com a completa superação da base do espaço infinito, consciente de que a ‘consciência é infinita,' entra e permanece na base da consciência infinita. É esse eu que com a dissolução do corpo é aniquilado ...’



3.15. [Entendimento Incorreto 56] “Outros afirmam: ‘Há um outro eu que, com a completa superação da base da consciência infinita, consciente de que ‘não há nada,' entra e permanece na base do nada. É esse eu que com a dissolução do corpo é aniquilado ...’



3.16. [Entendimento Incorreto 57] “Outros afirmam: ‘Senhores, há esse eu que vocês afirmam. Eu não nego isso. Mas esse eu não é aniquilado por completo. Pois há um outro eu que, com a completa superação da base do nada e vendo: “Isto é pacífico, isto é sublime,” entra e permanece na base da nem percepção, nem não percepção. Você não o conhece ou vê, mas eu sim. É esse eu que com a dissolução do corpo é aniquilado, destruído e não existe após a morte. Desse modo o eu é aniquilado.’ Assim é como alguns afirmam a aniquilação, destruição e a não existência dos seres.



3.17. “Esses são os sete modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes afirmam a Aniquilação, a destruição e a não existência dos seres. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem a Aniquilação, a destruição e a não existência dos seres, assim o fazem com base em um ou outro desses sete modos. Não há outra forma.



3.18. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



3.19. “Há, bhikkhus, alguns contemplativos e Brâmanes que afirmam nibbana aqui e agora para um ser vivo, e eles assim o fazem de cinco modos distintos. Com base em que?



3.20. [Entendimento Incorreto 58] “Neste caso, alguns contemplativos e Brâmanes afirmam e acreditam que: Na medida em que este eu, estando provido e dotado dos cinco elementos do prazer sensual, desfruta deles, então é assim que o eu realiza o nibbana mais elevado aqui e agora.’ Assim alguns afirmam.



3.21. [Entendimento Incorreto 59] “Outros afirmam: ‘Senhores, há esse eu que vocês afirmam. Eu não nego isso. Mas não é assim que o eu realiza o nibbana mais elevado aqui e agora. Como assim? Porque, senhores, os desejos sensuais são impermanentes, insatisfatórios e sujeitos à mudança, e da sua mudança e transformação surgem a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero. Mas quando esse eu, afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis, entra e permanece no primeiro jhana, [30] que é caracterizado pelo pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento, é assim que o eu realiza o nibbana mais elevado aqui e agora.’



3.22. [Entendimento Incorreto 60] “Outros afirmam: ‘Senhores, há esse eu que vocês afirmam. Mas não é assim que o eu realiza o nibbana. Como assim? Porque devido ao pensamento aplicado e sustentado, esse estado é considerado grosseiro. Mas quando o eu, abandonando o pensamento aplicado e sustentado, entra e permanece no segundo jhana, que é caracterizado pela segurança interna e perfeita unicidade da mente, sem o pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos da concentração, é assim que o eu realiza o nibbana mais elevado aqui e agora.’



3.23. [Entendimento Incorreto 61] “Outros afirmam: ‘Senhores, há esse eu que vocês afirmam. Mas não é assim que o eu realiza o nibbana. Como assim? Porque devido à presença do êxtase há a excitação mental, e esse estado é considerado grosseiro. Mas quando o eu, abandonando o êxtase, entra e permanece no terceiro jhana que é caracterizado pela felicidade sem o êxtase, acompanhada pela atenção plena, plena consciência e equanimidade, acerca do qual os nobres declaram: ‘Ele permanece numa estada feliz, equânime e plenamente atento,’ é assim que o eu realiza o nibbana mais elevado aqui e agora.’



3.24. [Entendimento Incorreto 62] “Outros afirmam: ‘Senhores, há esse eu que vocês afirmam. Eu não nego isso. Mas não é assim que o eu realiza o nibbana mais elevado aqui e agora. Como assim? Porque a mente contém a felicidade, e esse estado é considerado grosseiro. Mas quando o eu, com o completo desaparecimento da felicidade, entra e permanece no quarto jhana, que possui nem felicidade nem sofrimento, com a atenção plena e a equanimidade purificadas, é assim que o eu realiza o nibbana mais elevado aqui e agora.’ Assim é como alguns contemplativos e Brâmanes afirmam nibbana aqui e agora para um ser vivo.



3.25. “Esses são os cinco modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes afirmam nibbana aqui e agora para um ser vivo. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que afirmem nibbana aqui e agora para um ser vivo, assim o fazem com base em um ou outro desses cinco modos. Não há outra forma.



3.26. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



3.27. “Esses são os quarenta e quatro modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes especulam sobre o futuro, possuem idéias acerca do futuro, fazem várias alegações doutrinárias em relação ao futuro. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que especulem sobre o futuro, que possuam idéias acerca do futuro, que façam várias alegações doutrinárias em relação ao futuro, assim o fazem com base em um ou outro desses quarenta e quatro modos. Não há outra forma.



3.28. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desapegado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



“Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



“Esses são os sessenta e dois modos através dos quais alguns contemplativos e Brâmanes que especulam sobre o passado, o futuro, ou ambos, apresentam as suas idéias. Quaisquer contemplativos e Brâmanes que especulem sobre o passado, o futuro, ou ambos, que apresentem as suas idéias, assim o fazem com base em um ou outro desses quarenta e quatro modos. Não há outra forma.



3.30. “Isto, bhikkhus, o Tathagata sabe: esses pontos de vista assim formulados e agarrados irão conduzir a tal e qual destino num outro mundo. Isso o Tathagata sabe, e ele sabe muito mais além disso, mas ele não tem apego por esse conhecimento. E estando assim desatado ele experimenta a perfeita paz, e tendo compreendido como na verdade é a origem e a cessação das sensações, a gratificação, o perigo e a escapatória das sensações, o Tathagata está libertado sem restar nenhum resíduo.



3.31. “Essas, bhikkhus, são aquelas outras questões, profundas, difíceis de ver e difíceis de compreender, pacíficas e sublimes, que não podem ser alcançadas através do mero raciocínio, sutis, para serem experimentadas pelos sábios, que o Tathagata, tendo visto através do conhecimento direto, proclama e com relação às quais, aqueles que com sinceridade elogiam o Tathagata falam da forma correta.



[Conclusão]



3.32. [Entendimento Incorreto 1-4] “Portanto, bhikkhus, quando aqueles que afirmam a eternidade, afirmam a eternidade do eu e do mundo de quatro modos distintos, isso está baseado apenas na sensação daqueles que não sabem e não vêem, a preocupação e vacilação daqueles imersos na cobiça.



3.33. [Entendimento Incorreto 5-8] “Quando aqueles que afirmam em parte a eternidade e em parte a não-eternidade, que afirmam a eternidade parcial e a não-eternidade parcial do eu e do mundo de quatro modos distintos, isso está baseado apenas na sensação daqueles que não sabem e não vêem ...



3.34. [Entendimento Incorreto 9-12] “Quando aqueles que afirmam a finitude e a infinitude, que afirmam a finitude e a infinitude do mundo de quatro modos distintos, isso está baseado apenas na sensação daqueles que não sabem e não vêem ...



3.35. [Entendimento Incorreto 13-16] “Quando aqueles que se contorcem como enguias, ao serem questionados sobre este ou aquele assunto, recorrem à evasão verbal, contorcendo-se como uma enguia, de quatro modos distintos, isso está baseado apenas na sensação ...



3.36. [Entendimento Incorreto 17-18] “Quando aqueles que afirmam a origem fortuita, que afirmam a origem fortuita do eu e do mundo de dois modos distintos, isso está baseado apenas na sensação ...



3.37. [Entendimento Incorreto 1-18] “Quando aqueles que especulam sobre o passado, possuem idéias acerca do passado, fazem várias alegações doutrinárias em relação ao passado de dezoito modos distintos, isso está baseado apenas na sensação daqueles que não sabem e não vêem, a preocupação e vacilação daqueles imersos na cobiça.



3.38. [Entendimento Incorreto 19-34] “Quando aqueles que afirmam a sobrevivência perceptiva após a morte, e eles assim o fazem de dezesseis modos distintos, isso está baseado apenas na sensação ...



3.39. [Entendimento Incorreto 35-42] “Quando aqueles que afirmam a sobrevivência não-perceptiva após a morte, e eles assim o fazem de dezesseis modos distintos, isso está baseado apenas na sensação ...



3.40. [Entendimento Incorreto 43-50] “Quando aqueles que afirmam a sobrevivência nem perceptiva e tampouco não-perceptiva após a morte, e eles assim o fazem de oito modos distintos, isso está baseado apenas na sensação ...



3.41. [Entendimento Incorreto 51-57] “Quando aqueles que afirmam a aniquilação, a destruição e a não existência dos seres, e eles assim o fazem de sete modos distintos, isso está baseado apenas na sensação ...



3.42. [Entendimento Incorreto 58-62] “Quando aqueles que afirmam nibbana aqui e agora para um ser vivo, e eles assim o fazem de cinco modos distintos, isso está baseado apenas na sensação ...



3.43. [Entendimento Incorreto 19-62] “Quando aqueles que especulam sobre o futuro, possuem idéias acerca do futuro, fazem várias alegações doutrinárias em relação ao futuro de quarenta e quatro modos, isso está baseado apenas na sensação daqueles que não sabem e não vêem, a preocupação e vacilação daqueles imersos na cobiça.



3.44. [Entendimento Incorreto 1 -62] “Quando aqueles contemplativos e Brâmanes especulam sobre o passado, o futuro, ou ambos, apresentam as suas idéias de sessenta e dois modos distintos, isso está baseado apenas na sensação daqueles que não sabem e não vêem, a preocupação e vacilação daqueles imersos na cobiça .



3.45. “Quando aqueles contemplativos e Brâmanes que afirmam a eternidade, afirmam a eternidade do eu e do mundo de quatro modos distintos, isso é condicionado pelo contato.[31]



3.46. “Quando aqueles que afirmam em parte a eternidade e em parte a não-eternidade ...



3.47. “Quando aqueles que afirmam a finitude e a infinitude ...



3.48. “Quando aqueles que que se contorcem como enguias ...



3.49. “Quando aqueles que afirmam a origem fortuita ...



3.50. “Quando aqueles que especulam sobre o passado ...



3.51. “Quando aqueles que afirmam a sobrevivência perceptiva após a morte ...



3.52. “Quando aqueles que afirmam a sobrevivência não-perceptiva após a morte ...



3.53. “Quando aqueles que afirmam a sobrevivência nem perceptiva e tampouco não-perceptiva após a morte ...



3.54. “Quando aqueles que afirmam a aniquilação ...



3.55. “Quando aqueles que afirmam nibbana aqui e agora ...



3.56. “Quando aqueles que especulam sobre o futuro ...



3.57. “Quando aqueles contemplativos e Brâmanes que especulam sobre o passado, o futuro, ou ambos, apresentam as suas idéias de sessenta e dois modos distintos, isso é condicionado pelo contato.



3.58-70. “Que todos eles (que afirmam a eternidade e todos os demais) possam experimentar aquela sensação sem o contato é impossível.



3.71. “Com relação a todos eles ..., eles experimentam essas sensações através do repetido contato através das seis bases sensuais; da sensação como condição, o desejo surge; do desejo como condição, o apego; do apego como condição, o ser/existir; do ser/existir como condição, o nascimento; do nascimento como condição, então o envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero surgem.[32]



“Quando, bhikkhus, um bhikkhu compreende como na verdade é a origem e a cessação das seis bases do contato, a sua gratificação, perigo e escapatória, ele sabe aquilo que supera todas essas idéias.



3.72. “Quaisquer contemplativos e Brâmanes que especulem sobre o passado, o futuro, ou ambos, têm idéias fixas e apresentem as suas idéias a esse respeito, todos eles estão aprisionados na rede com essas sessenta e duas divisões, e sempre que eles emergem e tentam escapar, eles são capturados e presos nessa rede. Tal qual um hábil pescador, ou o seu aprendiz, cobre uma pequena extensão de água com uma rede com a malha fina, pensando: ‘Quaisquer criaturas de um certo porte, que estejam nessa água, serão capturadas nesta rede, aprisionadas e mantidas nesta rede,’ da mesma forma com relação a todos contemplativos e Brâmanes: eles são capturados e presos nessa rede.



3.73. “Bhikkhus, o corpo do Tathagata permanece com o vínculo que o atava ao ser/existir cortado. Enquanto o corpo subsistir, devas e humanos o verão. Mas com a dissolução do corpo e a exaustão do tempo de vida, devas e humanos não o verão mais. Bhikkhus, como num galho com um cacho de mangas, todas as mangas têm o mesmo destino do galho se ele for partido, da mesma forma o vínculo do Tathagata com o ser/existir foi partido. Enquanto o corpo subsistir, devas e humanos o verão. Mas com a dissolução do corpo e a exaustão do tempo de vida, devas e humanos não o verão mais ...”



3.74. Quando isso foi dito o venerável Ananda disse para o Abençoado: “É maravilhoso, venerável senhor, é admirável. Qual é o nome deste discurso do Dhamma?”



“Ananda, você poderá se lembrar deste discurso do Dhamma como a Rede Vantajosa, a Rede do Dhamma, a Rede Suprema, a Rede de Idéias ou como a Incomparável Vitória em Batalha.”



Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado. E enquanto esta explicação estava sendo proferida o sistema cósmico com dez mil mundos tremeu.









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Notas:



[1] Nalanda, que mais tarde sediou a famosa universidade Budista ficava cerca de 12 km ao norte de Rajagaha,(a moderna Rajgir), a capital de Magadha. [Retorna]



[2] Um discípulo de Sañjaya Belatthaputta (veja o DN 2.31). Sariputta e Moggallana, os dois principais discípulos do Buda também haviam sido discípulos de Sañjaya, e foi a deserção deles, além da perda de renda, que irritou Suppiya. [Retorna]



[3] DA aponta que a prática da virtude, numa comparação, está subordinada às qualidades superiores, pois a virtude não alcança a excelência da concentração, nem a concentração a excelência da sabedoria, conforme o verso 28. [Retorna]



[4] Puthujjana: uma “pessoa comum” que ainda não rompeu os três primeiros grilhões, (idéia da existência de um eu, dúvida, apego a preceitos e rituais), e que portanto ainda não “entrou na correnteza”. [Retorna]



[5] Este refrão é repetido em todos os versos que seguem. [Retorna]



[6] Estas idéias incorretas estão sumarizadas no verso 3.32. [Retorna]



[7] Isto é, não produz nada novo. [Retorna]



[8] Os devas do Abhassara, ou "que emanam radiância," fazem parte do reino da matéria sutil, (rupaloka), e escapam da destruição. [Retorna]



[9] Manomaya: criados pela mente, não através da relação sexual. Estes seres são devas. [Retorna]



[10] Eles não necessitam de comida pois se alimentam do êxtase, (piti), do segundo jhana. [Retorna]



[11] No Budismo, Brahma desfruta de uma posição relativamente humilde e o seu papel como criador é explicado. Veja também o MN 49.8. [Retorna]



[12] O tempo de vida dos seres é fixo em alguns mundos e variável em outros. O mérito, (puñña), é a ação benéfica sob o ponto de vista de kamma e que conduz a um renascimento favorável. [Retorna]



[13] Khiddapadosika: estes devas e o grupo que segue são mencionados apenas neste sutta e no DN 20 e 24. Eles ilustram as conseqüências da cobiça e raiva até mesmo nesses mundos (relativamente) “superiores”. [Retorna]



[14] Manopadosika. DA diz que estes devas habitam o mundo dos Quatro Grandes Reis, isto é, um mundo acima do mundo humano. [Retorna]



[15] Citta: mente, (ou coração) – veja o Glossário. [Retorna]



[16] Veja o MN 76.30. [Retorna]



[17] Quer seja tendo em vista o treinamento superior ou o renascimento no paraíso. [Retorna]



[18] Devido à vergonha e o temor de cometer transgressões (hiri-ottappa). Portanto é reconhecido que os primeiros três tipos daqueles que se contorcem como enguias possuem uma consciência moral. O seu equívoco provem da falta de entendimento não da falta de escrúpulos.[Retorna]



[19] O renascimento neste mundo é alcançado através da percepção desenvolvida nas realizações meditativas imateriais. [Retorna]



[20] A doutrina dos Ajivikas: veja o DN 2.19-20. [Retorna]



[21] A doutrina dos Jainistas. DA afirma que as outras idéias mencionadas estão baseadas em distintas experiências meditativas. [Retorna]



[22] (1) está baseado na experiência de uma existência num mundo não perceptivo (veja a nota 19), (2) assume que a percepção é o eu, (3) assume que os dhammas materiais, ou os materiais e imateriais mais a percepção, sejam o eu, (4) baseado no raciocínio, (5-8) idéias provenientes das realizações meditativas imateriais. [Retorna]



[23] (1) está baseado numa percepção sutil incapaz de realizar sua função no momento da morte e na consciência de renascimento. (veja o DN 2 – nota 27). O restante é igual à nota 22. [Retorna]



[24 ] Dibba: derivado da mesma raiz que deva. [Retorna]



[25] Kamavacara: pertencente ao reino da esfera sensual, (kamaloka), o mais inferior dos três reinos da existência. [Retorna]



[26] Kabalinkarahara em geral significa ‘comida’. Neste caso denota o tipo de alimento do qual subsistem os devas dos mundos paradisíacos inferiores. [Retorna]



[27] DA diz que eles crêem que a forma divina, (dibbatthabhava), isto é, a forma dos devas do reino da esfera sensual, seja o eu. A idéia é que esse eu sobrevive a dissolução do corpo físico durante um certo tempo, (com uma duração não especificada), com a ‘aniquilação’ ocorrendo na sua cessação. [Retorna]



[28] Produzido pela mente em jhana. [Retorna]



[29] Os quatro que seguem correspondem às quatro realizações imateriais, ou jhanas imateriais (DN 15.35). [Retorna]



[30] Os vários jhanas são confundidos com Nibbana. [Retorna]



[31] Phassa, contato, é o encontro entre a base sensual interna, (por ex. o olho), a base sensual externa, (por ex. a forma externa), e a respectiva consciência. O contato é a base para a sensação, (vedana). [Retorna]



[32] Esta é a primeira exposição parcial da origem dependente, (paticca-samuppada), no Cânone. [Retorna]