sexta-feira, 10 de setembro de 2010

MANTRA

MANTRA - OS SONS DA ILUMINAÇÃO

Um mantra (tib. ngag / sngags, jap. shingon), proteção mental, é uma série de sílabas místicas que invocam a energia de um buddha ou bodhisattva. A repetição (sânsc. japa) de mantras no Vajrayana é tão importante que o buddhismo esotérico também é chamado Mantrayana, o Veículo do Mantra. Existem também os dharanis, mantras mais longos, e as sílabas semente (sânsc. bija) que sintetizam a essência da mente iluminada.Os antigos mahasanghikas tinham em seu cânone uma coleção especial de fórmulas mântricas chamada Dharani Pitaka ou Vidyadhara Pitaka. Os dharanis eram meios de fixar a mente sobre uma idéia ou pensamento, uma visão ou experiência obtida na meditação. Estes podem representar a quintessência de um ensinamento, assim como a experiência de determinados estados de consciência, que desta forma podem ser relembrados ou recriados deliberadamente a qualquer momento. Por isso também são chamados de suportes, receptáculos ou berços da sabedoria (sânsc. vidyadhara). Não são funcionalmente diferentes dos mantras, mas em certo grau nas suas formas, já que podem atingir uma extensão considerável e algumas vezes representam a combinação de vários mantras ou sílabas sementes (sânsc. bija-mantra), ou a quintessência de um texto sagrado. Eles eram tanto um produto quanto meio de meditação: "Através da meditação profunda (sânsc. samadhi), adquire-se uma verdade; através do dharani, ela é fixada e retida na memória". [...] Nos textos páli mais antigos [da tradição Theravada], encontramos mantras de proteção ou parittas para afastar perigos, doenças, cobras, espíritos, influências nefastas e outras, assim como criar condições benéficas como saúde, felicidade, paz, um renascimento feliz, riqueza e assim por diante.(Lama Anagarika Govinda, Foundations of Tibetan Mysticism)O fundamento filosófico da escola hindu Mimamsa influenciou o uso de mantras no buddhismo Mahayana e Vajrayana.

Em alguns sistemas hindus, diz-se que os mantras são sons primordiais que possuem poder em e por si mesmos. No tantra buddhista tibetano, os mantras não têm tal poder inerente — a menos que sejam recitados por alguém com uma mente focalizada, eles são apenas sons. Porém, para as pessoas com uma atitude adequada, os mantras podem ser poderosas ferramentas que ajudam no processo de transformação.(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)Já que [as sílabas dos mantras] são os símbolos ou marcas do Dharma, elas são definidas como o selo de todos os buddhas. Já que a divindade e o mantra não são diferentes, elas são definidas com divindades por todos os yogis. Já que estas marcas têm a habilidade de abençoar o fluxo mental dos seres sencientes, elas são definidas com buddhas. Já que as bênçãos dos tathagatas estão misturadas com os fenômenos do amadurecimento karmicos, elas são definidas como aparência. Já que a sabedoria dos buddhas abençoou as sílabas, elas são definidas como indivisíveis.(Jamgön Kongtrül Lodrö Thaye, The Light of Wisdom)Um mantra não é nem uma "palavra mágica" nem um "encantamento". É um instrumento da representação e concentração mentais e por isso um recurso do poder mental (mas não de forças sobrenaturais). A raiz man significa "pensar", enquanto o sufixo tra exprime um instrumento, um recurso de acionamento. O efeito do mantra não depende, por conseguinte, de sua entonação — este é outro mal-entendido amplamente divulgado —, mas sim da atitude mental, das associações conscientes e inconscientes que são criadas através da intuição e dos exercícios a ela ligados.(Lama Anagarika Govinda, Reflexões Budistas)A relação entre a fala, a respiração e o mantra pode ser mais bem demonstrada através do método pelo qual o mantra funciona. [...] Através da pronunciação repetida, pode-se obter controle sobre uma determinada forma de energia. A energia do indivíduo está fortemente ligada à energia externa, e uma pode influenciar a outra. [...] É possível influenciar a energia externa, efetuando os assim chamados "milagres". Tal atividade é realmente o resultado de se ter controle sobre a própria energia, através do qual se obtém a capacidade de comando sobre fenômenos externos.(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)Para contar as recitações, geralmente se utiliza um rosário (sânsc. mala, japamala, tib. trengwa / phreng ba) de cento e oito contas. Na prática, considera-se que uma volta do rosário equivale a cem mantras; os oitos restantes servem para compensar os mantras recitados distraidamente.Os mantras nem sempre possuem um significado claro e muitos deles são compostos por sílabas aparentemente ininteligíveis. Mesmo assim, eles são efetivos porque ajudam a manter a mente quieta e pacífica, integrando-a automaticamente na concentração. Eles fazem a mente ser receptiva às vibrações muito sutis e, portanto, aumentam sua percepção. Sua recitação erradica as negatividades grosseiras e a verdadeira natureza das coisas pode ser refletida na claridade resultante em sua mente.(Lama Zopa Rinpoche, Wisdom Energy

O Mantra permite que tenhamos um renascimento feliz, aliás, essa é uma das principais utilizações do Mantra OM dentro do Tibet: A busca por um renascimento num mundo favorável, porque, segundo os tibetanos uma pessoa pode reencarnar no que é chamado de inferno, também como elementais da Terra, que são plantas, pedras, enfim, como animais, como pessoas ou como “Devas” (anjos), que são seres que não têm corpo, é a ressurreição que Cristo tanto falava, tu não és mais corpo e tu passas a ser, digamos, simplesmente a tua alma, sem corpo físico. Reencarnação é voltar para o corpo e ressurreição é passear, viajar. Enfim, como uma alma, voltar ou não a carne, é uma opção.O OM nos ensina a meditarmos no som, no ritmo tranqüilo que é a devoção chamada de Bhakti.- “A essência de todos os seres é a Terra.”

- “A essência da Terra é a água.”
- “A essência da água são as plantas.”
- “A essência das plantas é o homem.”
- “A essência do homem é o verbo.”
- “A essência do homem é o conhecimento sagrado (Rigveda).”
- “A essência do conhecimento sagrado é a música divina (Sámaveda).”
- “A essência da música divina é o OM.”ManiO Mani é o som da transformação. É considerado a jóia da mente ou a pedra filosofal, que nos dá a eternidade. Dentro do simbolismo OM Mani Padme Hum, Mani representa uma jóia brilhante, cintilante, perfeita, é considerado também como um cedro iluminado, que no Tibet é chamado de Vajra, que é o diamante da nossa própria mente e o que há de mais consciente nela.Textos Pali budistas dizem que todas as coisas são precedidas, dirigidas, e criadas pela mente e Mani seria uma mente mais sutil, refinada, compaixão que é a preocupação com todas as pessoas e seres vivos. A tolerância.O Mani cria a união com todos os seres, cria um Rúpa (forma). Karma Rúpa é o nome de uma forma de pensamento muitas vezes perversa ou egoísta e que pode, segundo as tradições esotéricas, criar um elemento conhecido como “miasma”, ou “encosto”, “obsessor” – um padrão negativo. O Mani atua como ecologia mental, criando um deva rúpa (anjo da mente). O som Mani atua no nosso manas, que é a nossa mente.O Mani representa o voto do Bodhisatiwa, um ser que escolhe o caminho de auxiliar todos os seres vivos.Padme ou PadmaPadme representa, a flor de Lótus. Ela nasce nos momentos onde há mais sujeira, mais dificuldade. Nasce da escuridão, abre suas flores somente após ter subido além da superfície do lodo.Padme ou Padma, ultrapassa este mundo. Existem pessoas que dizem “eu já passei por esta ou por aquela situação”. Já passou mas não ultrapassou, por isso que a situação vive se repetindo e esse som Padme é exatamente ultrapassar. Esse som representa a flor de Lótus que nasce. E cria emoções legais, o que é muito útil para as pessoas que têm dificuldades em lidar com as próprias emoções.Esse som confere iluminação ao corpo emocional, sensorial, perceptivos, formações kármicas negativas e a iluminação da própria consciência. Também, segundo heremitas meditadores, permite que viajemos no barco do Todol que é um guia na vida após esta vida, no mundo vindouro. No Tibet, não se fala em vida ou morte, só existe a vida, as pessoas nunca nascem e nunca morrem, elas estão “aqui” depois estão “lá”, enfim, esse som facilita nossa passagem para outros mundos. Físicos ou não.

Hum – Exorcizando tuas sombrasHum é representado como um som de limpeza, um grito de limpeza, um desafio a tudo aquilo que não é legal, aos nossos inimigos que, para alguns, são os pensamentos perversos, para outros são seres malignos, para outros, a ignorância e, para mim, o maior inimigo que temos é o ódio por qualquer ser e por nós mesmos.O Hum significa o espírito solto para voar, a libertação de tudo aquilo que não faz parte da nossa própria alma. O Hum é universal, total; a descida da eternidade para o nosso coração. O OM é o infinito e o Hum é o finito. Ambos são importantes, mas podemos dizer que o OM também é o meio para compreender o próprio Hum. A eternidade faz com que compreendamos o nosso próprio corpo, por isso o Hum é considerado como se fosse a matéria, como Buda tocando a própria Terra, a nossa mãe Terra, Gaia.

extraido de:

http://reiki.conhecendo.com.br/mantra.htm

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Causa e Efeito

Causa e Efeito

Uma outra técnica para neutralizar a raiva é examinar como chegamos a nos envolver na situação desagradável. Muitas vezes sentimos que somos vítimas inocentes de pessoas injustas. “Pobre de mim, sou inocente. Não fiz nada e agora esta pessoa sórdida está se aproveitando de mim!”

Isto é uma mentalidade de vítima, não é? Quando ficamos com raiva, nos fazemos de vítimas. A outra pessoa não pode nos fazer de vítima. Não somos vítimas da raiva do outro. Somos vitimas de nossa própria raiva. Uma outra pessoa pode nos culpar, mas só nos tornamos vítimas quando concebemos a situação de uma certa maneira e depois ficamos com raiva daquilo que projetamos. O significado disto é muito profundo. Vejamos isto com mais profundidade.

“Pobre de mim! Eu não perturbei ninguém e agora estas pessoas estão descarregando em mim” Estará correta essa interpretação de nossa experiência? Ao invés de perder imediatamente a nossa calma e culpar o outro, vamos reconhecer que esta situação é um surgimento dependente. Ela depende tanto da outra pessoa quanto de nós.

Primeiro, vamos olhar para ver o que fizemos nesta vida para encontrar pessoas que nos tratam mal. Como entramos nesta situação? O que fizemos que aborreceu o outro para ele agir assim conosco? Precisamos ser muito honestos conosco. Talvez não sejamos tão inocentes assim. Talvez estivéssemos tentando manipular o outro e ele não caiu. Ele ficou aborrecido e agora nós bancamos o magoado e ofendido. Mas na realidade, nosso próprio comportamento fez surgir aquela situação.

Sendo introspectivos, notaremos nossos defeitos e poderemos corrigi-los. Então não vamos nos encontrar em tais situações desagradáveis no futuro.

Isto significa que nós assumimos a responsabilidade por estar naquela situação, independente do fato de a outra pessoa estar fazendo um alarde indevido, ou não. Reconhecendo nossos erros, ou motivações erradas, ficamos cientes de como o nosso comportamento afeta os outros. Evitando o comportamento destrutivo no futuro, não faremos com que o outro seja ativado para nos ferir.

Isto é só olhando ao que fizemos nesta vida para acionar o evento. Vamos agora olhar de uma perspectiva mais ampla, no curso de muitas vidas. Isto nos leva ao tópico do carma - ações intencionais. Nossas ações deixam marcas em nossa consciência. Estas marcas mais tarde amadurecem e influenciam as nossas experiências.

O que vivenciamos agora é resultado daquilo que fizemos em vidas passadas. Digamos que alguém esteja nos batendo. Isto significa que em vidas anteriores fizemos mal aos outros. Para experimentar aquele efeito agora, temos de ter feito algo anteriormente. Carma - ação e seu resultado - é como um bumerangue. O lançamos e ele volta até nós. Similarmente, se tratamos os outros de uma certa maneira, estamos colocando aquela energia no universo —— e mais tarde ela retorna até nós.

Compreendendo isto nos permite aceitar a responsabilidade pela situação. Não somos vítima. Prejudicamos muitas outras pessoas no passado —— até mesmo nesta vida podemos ver que não temos agido como anjinhos. Ferimos os sentimentos dos outros, chutamos cachorros, quando éramos crianças brigamos com outras crianças no playground.

Agora estamos experimentando o resultado destes atos. Não há surpresa alguma: as marcas de nossas próprias ações negativas estão amadurecendo. Ao reconhecer isto, veremos que não há motivo para ficar com raiva da outra pessoa. Ela é apenas a condição cooperativa, enquanto nós criamos a causa principal para estarmos nesta situação.

Não interprete isto mal e masoquistamente, nem se culpe por tudo. É uma maneira extrema de pensar: “Eu sou uma pessoa horrível. Todos podem me bater e tirar vantagem de mim porque isto é tudo o que mereço.” Tal ponto de vista é completamente incorreto.

Ao contrário, é melhor reconhecer, “Sim, eu feri aos outros no passado. Agora o resultado está voltando a mim. Se eu não gosto desta experiência, então tenho de ser cuidadoso ao agir com as outras pessoas para que eu não crie a causa para novamente encontrar situações dolorosas como esta.”

Assim, aprenderemos com nossos erros. Não é importante lembrarmos exatamente qual foi a nossa ação numa vida passada que resultou em nossos problemas atuais. Uma sensação geral dos tipos de ações que devemos ter feito no passado para precipitar a ocorrência presente é suficiente. Depois, podemos fazer uma forte determinação para não repetir tais ações no futuro.

Quem estiver interessado em aprender mais sobre o carma e seus efeitos, deve ler o livro “The Wheel of Sharp Weapons” de DharmarakSita. Este pequeno livro explica os elos entre nossas experiências atuais e nossos atos passados. Ele também nos encoraja a abandonar a atitude egoista que nos leva a agir negativamente.

Treinando-nos a pensar assim, podemos transformar más situações no caminho da iluminação. Como? Pensando nessas situações de maneira construtiva; aprendemos com nossos erros ao invés de cair na armadilha da mentalidade de vitima.

A bondade do inimigo

Quanto mais treinarmos assim, mais perceberemos que as pessoas que nos fazem mal são de fato muito boas. Primeiro, ao nos causar danos, elas permitem que nosso carma negativo amadureça. Agora aquele carma específico acabou! Em segundo lugar, ao nos fazer mal, elas nos forçam a examinar nossas ações e a tomar decisões firmes quanto a como queremos agir no futuro. Assim, aquele que nos prejudica está nos ajudando a crescer. Ele é mais bondoso do que nossos amigos!

De fato, os inimigos são mais bondosos conosco do que o Buda. Isto é quase inconcebível. “O que quer dizer meu inimigo é mais bondoso comigo do que o Buda? O Buda tem compaixão perfeita por todos. O Buda não prejudica uma mosca! Como pode o meu inimigo que é um grande bla-bla-bla ser mais bondoso do que o Buda?”

Veja isto da seguinte forma: para sermos Budas, precisamos praticar a paciência. Esta é uma das atitudes de grande alcance (paramita) e é uma prática muito importante para os bodhisattvas. Não há como tornarmo-nos Budas se não conseguirmos ser pacientes e tolerantes.

Com quem praticamos a paciência? Não com os Budas, porque eles não nos deixam com raiva. Não com os nossos amigos, porque eles são bons para nós. Quem nos dá a oportunidade de praticar a paciência? Quem é tão bondoso e nos ajuda a desenvolver aquela qualidade infinitamente boa da paciência? Somente aquele que nos faz mal. Somente nosso inimigo. Portanto, o inimigo é muito mais bondoso conosco do que o Buda.

Meu mestre deixou isto bem claro para mim. Certa vez, eu era vice-diretora de uma empresa. O diretor e eu não nos dávamos bem. É por isso que eu conheço bem o Capítulo Seis do “Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva.” Num dia, eu fiquei com muita raiva desta pessoa, e de noite eu voltei ao meu quarto e pensei, “Eu estourei novamente! O que Shantideva sugere que eu pense nesta situação?”

Finalmente, eu larguei aquele emprego. Fui ao Nepal e encontrei meu mestre, Zopa Rinpochê. Estávamos sentados na varanda da casa de Rinpoche, olhando os Himalayas, tão pacíficos e calmos. Então Rinpochê me perguntou, “Quem é mais bondoso para você, Sam ou o Buda?”

Eu pensei, “Ele deve estar brincando! Não há como comparar. Obviamente o Buda é muito bom. Mas Sam é um outro caso.” Então eu respondi, “O Buda, é claro.”

Rinpoche olhou para mim como que dizendo, “Você ainda não entendeu!” e disse, “Sam lhe deu a oportunidade de praticar a paciência. O Buda, não. Você não pode praticara paciência com o Buda. Portanto, Sam é mais bondoso com você do que o Buda.”

Eu fiquei sentada lá emudecida, tentando digerir o que Rinpochê disse. Lentamente, quanto os anos se passaram, a coisa entrou. É interessante ver a si mesmo mudar quando você se permite pensar assim.


Portanto, esta é outra maneira de pensar quando estamos com raiva: focalize na bondade do inimigo, e pense na oportunidade de praticar a paciência. Tome as más situações como um desafio para ajudá-lo a crescer.
Dando a dor

Outra técnica é dar o dano e a dor ao nosso pensamento egoísta, que é o nosso verdadeiro inimigo. À medida em que nos tornamos mais conscientes de nossos pensamentos e ações, como eles influenciam os outros e a nós mesmos, notamos que nossa atitude egoísta causa muitos problemas. Impulsionados pelo egoísmo, falamos e fazemos coisas que ferem os outros, coisas do que mais tarde nos envergonhamos. Quase todos os conflitos que temos com os outros envolve o nosso egoísmo: queremos as coisas do nosso jeito, a outra pessoa quer do seu jeito. Estamos convencidos de que nossa idéia é a certa, e a outra pessoa está convencida de que está certa. Além disto, a atitude egoísta é um dos maiores impecilhos para as realizações espirituais porque nos torna preguiçosos em nossa prática do Dharma.

Assim, o verdadeiro inimigo que obstrui a nossa felicidade e bem-estar é a atitude de auto-estima egoísta. Precisamos estar firmemente convencidos disto. Quando alguém nos critica, ou nos trai, ou nos dá uma surra, ficamos feridos e com raiva. Sentimos, “Como esta pessoa ousa me tratar assim!” Esta atitude vê o caso só de nossa própria perspectiva. Estou preocupado COMIGO, com os MEUS sentimentos, o que está acontecendo COMIGO. No entanto, esta atitude egoísta não é inerentemente nós. É como um ladrão dentro de uma casa. Podemos expulsá-lo quando reconhecermos que é perigoso.

Estando convencidos das desvantagens da atitude egoísta, podemos então tomar qualquer dor que experimentamos e dá-la à atitude egoista. Ao invés de sentir, “Isto é horrível. Eu não gosto de ouvir o que esta pessoa está dizendo,” podemos pensar, “Que bom! Toda esta a dor e sentimento de desconforto eu darei à minha atitude egoísta. Este é o verdadeiro inimigo, portanto que ela leve a culpa.” Depois podemos sutilmente dar risada, “Ha, ha, atitude egoísta. Ao invés de deixar que me faça infeliz, eu lhe darei esta dor e preocupação!”

Se praticarmos isto com sinceridade, então quando alguém nos critica ou prejudica, estaremos felizes. Isto não é porque somos masoquistas, mas porque damos o dano ao verdadeiro inimigo, que é nosso próprio egoísmo. Não precisamos nos aborrecer mais. Além disto, nosso inimigo, a atitude egoísta, está sofrendo, portanto devemos nos alegrar.

Então, quanto mais alguém nos prejudica, mais felizes estaremos. Aliás, pensaremos, “Venha, me critique um pouco mais. Eu quero que minha atitude de auto-estima egoísta seja prejudicada.” Esta é uma técnica profunda de treinamento do pensamento. A primeira vez que eu a ouvi, pensei, “Isto é impossível! O que é isso de que eu devo ficar feliz quando alguém me critica? Como é que eu jamais poderei praticar isto?”

Gostaria de compartilhar com vocês uma estória de experiência pessoal, quando eu praticava assim em certa ocasião. Foi memorável! Eu estava no Tibet, numa peregrinação com outras cinco pessoas até Lhamo Lhatso, o famoso lago a 18,000 pés. Como o lago é muito remoto, fomos até lá a cavalo. Havia algo de errado com o cavalo de uma das pessoas, então tivemos de andar e guiar o cavalo pelas rédeas. Henry estava com fome e cansado da longa viagem e devido à elevada altitude. Além disso, ele tinha de andar a pé ao invés de a cavalo. Como eu estava me sentindo bem, ofereci-lhe o meu cavalo.

Bem, Henry estourou. E, como no caso quando as pessoas ficam com raiva, se lembram de tudo que você já fez de errado nos últimos dez anos. Ele me disse todos os meus defeitos de anos atrás, todos os problemas que eu causei a outras pessoas e dos boatos que ele havia ouvido, todos os meus erros!

Cá estávamos neste local idílico no Tibet, numa peregrinação a um local sagrado, e ele lá falando e falando, “Você fez isto e você fez aquilo. Então muitas pessoas reclamam de você”.

Geralmente, eu sou muito sensível à critica e facilmente me magôo. Então, eu decidi, “Darei toda esta dor à minha atitude de auto-estima egoísta.” Eu meditei assim enquanto andávamos, e muito para minha surpresa, comecei a pensar, “Isto é bom! Eu realmente acolho a sua crítica. Aprenderei com ela. Obrigado por me ajudar a consumir o meu carma negativo dizendo-me os meus defeitos. Toda dor vai para a minha atitude egoísta porque este é o meu verdadeiro inimigo.”

Foi surpreendente! Enquanto continuávamos pelas trilhas das montanhas, eu senti, “Diga mais. Isto é realmente bom!” Finalmente, paramos para acampar à noite e fizemos chá. Minha mente estava completamente em paz. Acho que isto foi uma benção da peregrinação. Isto me provou que é possível ser feliz quando coisas indesejáveis acontecem. Eu não precisei cair em meu velho hábito de “Pobre de mim! Os outros não gostam de mim.”

É da natureza da pessoa ser desagradável?

Há ainda mais uma técnica para evitar a raiva quando alguém nos prejudica. Perguntamos a nós mesmos, “A natureza desta pessoa é a de nos prejudicar?” Se a natureza da pessoa é prejudicial e odiosa, então é inútil ficar com raiva. Seria como ficar com raiva do fogo porque sua natureza é de queimar. É assim que o fogo é; é assim que esta pessoa é. Não tem sentido se aborrecer com isto.

De forma semelhante, se a natureza da pessoa não é prejudicial, então não adianta ficar com raiva. Seu comportamento sem consideração foi uma casualidade; não é a sua natureza verdadeira. Quando chove, não ficamos com raiva do céu, porque as nuvens não são da natureza do céu.

De um lado, podemos dizer que a natureza dos outros é a de criticar, achar defeitos e culpar. Eles são seres sencientes presos na prisão da existência cíclica, então naturalmente suas mentes estão obscurecidas pela ignorância, raiva e apego. Nossas mentes também estão. Se a situação for esta, então porque esperar que nós ou os outros estejamos livres de conceitos equivocados e emoções negativas? Não há motivo para ficar com raiva deles por causarem danos, assim como não há motivo para ficar com raiva do fogo porque ele queima. É exatamente assim que eles são.

Por outro lado, a natureza mais profunda da pessoa que lhe faz mal não é ser prejudicial. Ela tem o puro potencial de Buda, sua bondade intrínseca. Esta é a sua verdadeira natureza. Seu comportamento odioso é como uma nuvem de trovoada que obscurece temporariamente o céu claro. Aquele comportamento não é ele, então para que ficarmos infelizes sendo impacientes? Pensando assim ajuda muito.

Precisamos aplicar estas técnicas às situações reais. Em nossa meditação diária, podemos puxar as experiências dolorosas de nossa memória e olhá-las sob esta luz. Todos nós temos um reservatório de memórias dolorosas ou rancores que ainda guardamos contra os outros. Ao invés de suprimi-los, é bom puxá-los para fora e interpretar aquelas situações usando alguns dos métodos acima. Assim, deixaremos de ter sentimentos dolorosos e ressentimentos.

Se não fizermos isto, poderemos ter rancores por 20 ou 30 anos. Nunca esquecemos o mal que recebemos e nos tornamos infelizes quando guardamos cuidadosamente estas memórias. Por exemplo, durante o primeiro retiro de purificação que eu fiz na Índia, eu percebi que ainda estava com raiva de minha professora do segundo ano primário porque ela não me deixou participar do teatrinho da classe. Isto tinha acontecido há mais de 20 anos e eu ainda não a havia perdoado!

As famílias são muito boas em guardar rancores. Eu conheço uma família grande que possue duas casas num mesmo terreno. As casas foram compradas juntas como casas de campo. Certa vez, as pessoas de uma casa brigaram com seus irmãos e primos na outra casa, e desde então deixaram de se falar. Há mais de quarenta anos, decidiram que se odeiam e não se falam pelo resto da vida. As famílias ainda vão até lá nos feriados, mas não se falam. É meio ridículo, não é?

Vejamos os rancores que ainda guardamos durante anos: um pequeno incidente acontece - alguém não veio a um casamento ou funeral, ou alguém riu de nós, ou alguém nos embaraçou na frente dos outros - e juramos nunca mais falar ou ser gentil com aquela pessoa enquanto vivermos. Guardamos este tipo de voto tão perfeitamente, e no entanto achamos difícil guardar os votos de não mentir ou roubar.

Durante anos ficamos com raiva de outra pessoa. Mas quem sai perdendo? Quem fica infeliz? Quando guardamos um rancor, a outra pessoa não fica infeliz. Ela geralmente já esqueceu o incidente. Mesmo numa situação mais séria, por exemplo um divórcio, o outro pode ter se desculpado pelo que fez. Mas em ambos os casos, nos apegamos ao mal como estivesse gravado na pedra. Certa vez alguém nos xingou, mas repassamos esta memória em nossas mentes dia após dia, e revivemos o mal vez após vez. Isto é uma excelente forma de auto-tortura.

Guardar rancor não serve a nenhum propósito produtivo. Como um câncer mental, os rancores nos consomem. Enquanto guardarmos ressentimentos, nunca poderemos perdoar aos outros. Mas a nossa falta de perdão não fere o outro, mas sim a nós mesmos.

Porque é tão difícil perdoar os erros dos outros? Nós também cometemos erros. Vendo o nosso próprio comportamento, notamos que algumas vezes fomos vencidos pelas emoções negativas e agimos de modo que mais tarde nos arrependemos. Queremos que os outros compreendam e perdoem os nossos erros. Porque então não podemos perdoar aos outros?

Podemos, é claro, perdoar alguém sem sermos ingênuos. Podemos perdoar um alcoólatra por estar bêbado, mas isto não significa que esperamos que ele deixe de beber imediatamente. Podemos perdoar uma pessoa por nos ter mentido, mas no futuro, pode ser prudente ter cuidado e verificar suas palavras. Pode-se perdoar um cônjuge por ter tido uma relação extra-conjugal, mas não se deve ignorar os problemas conjugais que levaram o outro a buscar companhia em outro lugar.

Para ter um coração livre e aberto, precisamos fazer uma faxina interna; precisamos tirar todos aqueles rancores, ver a dor, mas sem repassar o mesmo vídeo de auto-piedade em nossas mentes. Podemos ver estas situações de uma perspectiva nova, empregando as diversas técnicas para dissolver a raiva que foram descritas acima.

Assim, soltaremos a hostilidade que estivemos carregando em nossos corações durante anos. Além disso, ganharemos familiaridade com as técnicas de forma que poderemos rapidamente recordá-las quando incidentes semelhantes acontecerem em nossas vidas diárias.
A Outra pessoa está feliz?

Mais uma técnica para a raiva é perguntarmo-nos, “A pessoa que está fazendo mal a mim está feliz?” Alguém está gritando comigo, reclamando de tudo que eu faço. Ele está feliz, ou está se sentindo miserável? Obviamente, ele está se sentindo infeliz. É por isso que está agindo assim. Se estivesse feliz, não estaria discutindo.

Todos nós sabemos o que é ser infeliz. É exatamente assim que esta pessoa está se sentindo agora. Vamos nos colocar em seu lugar. Quando estamos infelizes e “colocando tudo para fora,” como gostaríamos que os outros reagissem? Geralmente, queremos que nos compreendam, que nos ajudem.

É assim que esta pessoa está-se sentindo. Então, como poderemos ter raiva dela? Ela deveria ser objeto de nossa compaixão, não de nossa raiva. Se pensarmos assim, veremos o nosso coração cheio de paciência e bondade-amorosa pelo outro, não importa como ele age conosco.

Nossas atitudes mudam, porque ao invés de ver a situação de nosso próprio ponto de vista auto-centrado - o que alguém está fazendo COMIGO - se nos colocarmos no lugar da outra pessoa, vamos experimentar a sua dor, sentir a sua vontade de ser feliz. Vendo que em essência o outro é exatamente como nós somos, é fácil pensar, “Como eu posso ajudá-lo?” Tal atitude não só evita que fiquemos aborrecidos, mas também nos inspira a aliviar o sofrimento do outro.

Várias técnicas foram aqui discutidas para ajudar a dissolver a nossa raiva. Vamos revê-las:

1. Lembre o exemplo de alguém dizendo que temos um nariz ou que temos chifres. Podemos reconhecer nossos erros e defeitos, assim como reconhecemos que temos um nariz no rosto. Não há necessidade de ficar com raiva. Por outro lado, se alguém nos culpa por algo que não fizemos, é como se tivesse dito que temos chifres em nossa cabeça. Não há motivo para ficar com raiva de algo que não é verdadeiro.
2. Pergunte a si mesmo, “Eu posso fazer algo sobre isto?” Se puder, então a raiva não tem sentido porque você pode melhorar a situação. Se não puder
mudar a situação, a raiva é inútil porque nada pode ser feito.

3. Examine como se envolveu na situação. Isto tem duas partes:
a. Que ações você cometeu recentemente para instigar o desacordo? Examinar isto ajuda a compreender porque a outra pessoa está aborrecida.

b. Reconheça que situações desagradáveis são devidas ao fato de termos causado mal aos outros anteriormente nesta vida ou em vidas prévias. Vendo nossas próprias ações destrutivas como causa principal, podemos aprender com os erros passados e decidir agir melhor no futuro.

4. Lembre-se da bondade do inimigo. Primeiro, ele aponta nossos erros de forma que podemos corrigi-los e melhorar nosso caráter. Em segundo lugar, ele nos dá a oportunidade para praticar a paciência, uma qualidade necessária ao nosso desenvolvimento espiritual. Nessas maneiras, o inimigo é mais bondoso conosco do que nossos amigos ou até mesmo o Buda.

5. Dê a dor à sua atitude egoísta reconhecendo que o egoísmo é a como que fonte de todos os nossos problemas.

6. Pergunte a si mesmo, “A natureza desta pessoa é agir assim?” Se fôr, então não há razão para ter raiva, porque seria como ficar aborrecido com o fogo por estar queimando. Se não fôr a natureza da pessoa, novamente a raiva é irrealista, porque seria como ficar com raiva do céu por estar com nuvens.

7. Examine as desvantagens da raiva e de guardar rancor. Isto dá uma tremenda energia para soltar estas emoções destrutivas.

8. Reconheça que a infelicidade e confusão da outra pessoa está fazendo com que ele ou ela nos façam mal. Como sabemos o que é ser infeliz, podemos ter simpatia com esta pessoa. Assim, esta pessoa se torna objeto de nossa compaixão, não objeto de nossa raiva.

Se estas técnicas funcionarão para nós ou não vai depender de nós mesmos. Temos de praticá-las repetidamente para construir novos hábitos emocionais e mentais. Guardar o remédio na gaveta sem tomá-lo não vai curar a doença. De forma semelhante, apenas ouvir os ensinamentos sem colocá-los em prática não vai diminuir a nossa raiva. A nossa paz de espirito é de nossa responsabilidade.
Perguntas e respostas

P. Ser paciente com as pessoas que nos prejudicam significa ser passivo? Precisamos deixar que prevaleçam suas opiniões ou deixar que nos pisem?

R. Não. Podemos corrigir uma má situação sem antagonismos. Aliás, seremos mais efetivos agindo assim, quando estivermos calmos e com o pensamento claro.

Às vezes precisaremos ter de falar com alguém com firmeza porque esta é a única maneira de nos comunicar com esta pessoa. Por exemplo, se sua filha está brincando na rua e você diz muito docemente, “Susie, querida, por favor não brinque na rua,” ela pode ignorá-lo. Mas se falar com firmeza e explicar-lhe o perigo, ela se lembrará e obedecerá.




P. Como um entusiasta do esporte, não será boa a raiva porque nos ajuda a ganhar o jogo? O esporte é uma boa maneira de soltar a raiva?

R. Sim, o esporte é uma maneira socialmente aceitável para soltar a raiva. No entanto, não cura a raiva, só libera temporariamente a energia física que acompanha a raiva. Mas, ainda estaremos evitando o verdadeiro problema, isto é, nossas emoções perturbadoras e conceitos equivocados com relação a uma situação.

Sim, a raiva pode ajudá-lo a ganhar o jogo, mas será isto realmente benéfico? Vale a pena reforçar esta característica negativa só para receber um troféu? O perigo no esporte é tornar o “nós e eles” muito concreto. “O meu time deve vencer. Temos de lutar e derrotar o inimigo.”

Mas, vamos recuar um momento. Porque deveríamos ganhar e o outro time perder? A única razão é a seguinte, “Meu time é melhor porque é meu.” O outro time sente a mesma coisa. Quem está certo? A competição baseada em tal auto-centrismo não é produtiva porque gera raiva e ciúme.

Por outro lado, podemos nos concentrar no processo de jogar o jogo, e não no alvo de vencer. Neste caso, apreciaremos o exercício físico, a camaradagem e o espírito de equipe, seja vencendo ou perdendo. Psicologicamente, esta atitude traz mais felicidade.


P. Como devemos lidar com a raiva ao testemunhar uma pessoa prejudicando a outra?

R. Todas as técnicas descritas acima se aplicam aqui. No entanto, ser paciente não significa ser passivo. Podemos ter de agir para impedir que uma pessoa faça mal à outra, mas a chave é fazer isto com compaixão imparcial por todos na situação.

É fácil ter compaixão pela vítima. Mas a compaixão pelo criminoso é igualmente importante. Esta pessoa está criando a causa para o seu próprio sofrimento: mais tarde ele pode ser torturado pela culpa, ele pode ter problemas com a lei, e ele colherá os frutos cármicos de suas próprias ações. Reconhecendo os sofrimentos que ele está trazendo para si mesmo, poderemos desenvolver a compaixão por ele. Assim, com preocupação igual pela vítima e pelo criminoso, podemos agir para evitar que uma pessoa faça mal a outra.

Não precisamos estar com raiva para corrigir um erro. As ações movidas pela raiva podem complicar ainda mais a situação! Com uma mente clara, somos capazes de determinar mais facilmente o que podemos fazer para ajudar.


P. Como posso ajudar alguém que esteja criando carma negativo tendo raiva de mim?

R. Cada situação é diferente e deve ser examinada separadamente. No entanto, algumas linhas gerais podem ser aplicadas. Primeiro, devemos verificar se a queixa do outro a nosso respeito se justifica. Se sim, podemos nos desculpar e corrigir a situação. Isto cessa a raiva do outro.

Em segundo lugar, quando alguém está muito aborrecido ou com raiva, tente acalmá-lo. Não argumente, porque no seu atual estado mental, ele não pode ouvi-lo. Isto é compreensível: nós não ouvimos os outros quando estamos temperamentais. Portanto, é melhor ajudá-lo a se acalmar e mais tarde, talvez no dia seguinte, conversar.

P. O que devemos fazer quando as pessoas criticam o Budismo?

R. Isto é opinião deles. Eles têm o direito de tê-la. É claro que não concordamos com eles. Às vezes podemos conseguir corrigir o conceito equivocado do outro, mas às vezes as pessoas têm a mente muito estreita e não querem mudar suas opiniões. Isto é assunto deles. Simplesmente esqueça.

Não precisamos da aprovação dos outros para praticar o Dharina. Mas precisamos estar convencidos em nossos corações de que o que fazemos é certo. Se estivermos convencidos, então as opiniões dos outros não são importantes.

A critica dos outros não prejudica o Dharma ou o Buda. O caminho da iluminação existe, quer os outros o reconheçam ou não. Nós não precisamos ficar defensivos. Aliás, se ficarmos agitados quando os outros criticam o Budismo, isto indica que estamos apegados às nossas crenças, que nosso ego está envolvido e portanto sentimos compelidos a provar que nossas crenças estão certas.

Quando estamos seguros daquilo que acreditamos, as críticas dos outros não perturbam a nossa paz. Porque deveriam? Críticas não significam que nossas crenças estejam erradas, nem significa que nós somos estúpidos ou maus. É simplesmente a opinião de uma outra pessoa, só isso.


P. O Budismo Tíbetano tem muitas imagens de divindades iradas. O que isto significa?

R. Estas divindades ou figuras de Budas são manifestações da sabedoria e compaixão do Buda. Sua ferocidade não é dirigida aos seres viventes, porque como Budas, eles só têm compaixão pelos outros. Ao contrário, sua força é dirigida à ignorância e ao egoísmo, que são as verdadeiras causas de todos os nossos problemas.

Ao mostrar um aspecto feroz, essas deidades demonstram a necessidade de agir rapidamente e com firmeza contra a nossa ignorância e nosso egoísmo. Não é nada benéfico ser pacientes com os nossos inimigos internos, que são as atitudes perturbadoras. Devemos nos opor ativamente contra isto. Essas deidades ilustram que, ao invés de ficarmos irados com os outros seres, devemos ser ferozes com os inimigos internos, como a ignorância e o egoísmo.

Além disso, como manifestações da sabedoria compassiva, estas deidades representam simbolicamente a sabedoria compassiva conquistando as atitudes perturbadoras.


P. Como identificar a nossa raiva?

R. Existem diversas maneiras de fazer isto. Quando fazemos a meditação com a respiração - claramente focalizando o ar ao inalar e exalar, observe que distrações surgem. Podemos reconhecer uma sensação geral de agitação ou raiva. Ou podemos lembrar de uma situação de anos atrás que ainda nos irrita. Ao notar estas distrações, saberemos o que precisamos trabalhar.

Podemos também identificar nossa raiva ficando cientes de nossas reações físicas, estejamos meditando ou não. Por exemplo, se sentirmos nosso estômago apertando, ou a temperatura de nosso corpo aumentando, pode ser um sinal de que estamos começando a perder a nossa calma. Cada pessoa tem manifestações físicas diferentes da raiva. Podemos ser observadores e notar as nossas. Isto é útil, porque às vezes é mais fácil identificar as sensações físicas que acompanham a raiva do que a própria raiva.

Uma outra maneira é observar nossos humores. Quando estamos de mau humor, podemos dar uma pausa e nos perguntar, “O que é esta sensação? O que a instigou?” As vezes podemos observar padrões em nossos humores e comportamentos. Isto nos dá uma pista de como nossa mente opera.


P. O que podemos fazer com a raiva que vem se acumulando há muito tempo?

R. Levará um tempo para libertar nossa mente disto. A raiva habitual deve ser substituída pela paciência habitual, e isto leva tempo e esforço consistente para ser desenvolvido. Quando notamos que nossa raiva está crescendo com relação a alguém, é bom perguntarmo-nos, “Que botão esta pessoa está apertando em mim? Porque fico tão irritado com seus atos” Assim, pesquisamos nossas reações para determinar a verdadeira questão do assunto. Nos sentimos impotentes? Nos sentimos que ninguém nos ouve? Estamos ofendidos? Observando nesse sentido, vamos nos conhecer melhor e podemos então aplicar o antídoto correto àquela atitude perturbadora. É claro que prevenir é o melhor remédio. Ao invés de deixar a sua raiva crescer durante um longo tempo, é melhor ser corajoso e tentar se comunicar com a outra pessoa mais cedo. Isto acaba com a proliferação de conceitos equivocados e mal entendidos. Se deixarmos nossa raiva crescer durante um tempo, como poderemos pôr a culpa na outra pessoa? Nós temos alguma responsabilidade de tentar nos comunicar com a pessoa que nos perturba.

Dedicação

Vamos agora dedicar o potencial positivo que acumulamos para que todos os seres tenham mentes pacificas, livres de hostilidade. Ao praticar a paciência, possamos dissipar a nossa própria raiva, e assim, possamos ser capazes de ensinar aos outros e inspirá-los a se transformarem em Budas pacíficos.

Treinando a paciência

Treinando a paciência

O que podemos fazer quando ficamos com raiva? Buda descreveu uma variedade de técnicas para desenvolver a paciência. Muitas delas são encontradas em O Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva, do grande sábio indiano Shantideva. O capitulo seis é um dos capítulos mais longos do livro, e ensina como evitar a raiva e cultivar a paciência.
Primeiro, devemos aprender as técnicas para lidar com a raiva. Depois, praticá-las em nossas meditações. Isto ajuda a aumentar a nossa familiaridade e ter confiança nessas novas maneiras de perceber as coisas. Ao praticar estas técnicas em um ambiente pacífico - sentados em nossas almofadas de meditação - construiremos um repertório de meios alternativos de percepção de situações que normalmente nos deixam com raiva.

É importante treinarmos essas técnicas quando não estamos com raiva. É como aprender a dirigir. Não vamos direto à auto-estrada no nosso primeiro dia na auto-escola, porque estamos despreparados e sem habilidade. Ao invés disto, dirigimos ao redor do estacionamento para ficarmos familiarizados com o acelerador, os freios e o volante. Praticando inicialmente num ambiente seguro, seremos capazes de lidar com o carro em situações mais perigosas no futuro.

De maneira semelhante, primeiro praticamos a paciência quando não estamos numa situação de conflito. Fazemos isto através de lembranças de experiências anteriores - situações em que explodimos de raiva, ou eventos que até agora nos deixa hostis ou magoados só em lembrá-los. Depois, aplicamos as técnicas: repassamos um vídeo mental do evento, mas tentamos pensar nele de maneira diferente. Ao rever a situação com uma nova perspectiva, a raiva diminui. Então poderemos também antever a nós mesmos respondendo ao outro de maneira diferente.

Fazer isto não só nos ajuda a dissolver mágoas e rancores passados, mas também nos familiariza com as técnicas que podemos aplicar em situações semelhantes no futuro. Então, sempre que uma situação ocorrer em nossas vidas, e sentirmos nossa raiva surgir, podemos selecionar uma técnica e aplicá-la.

Às vezes, é difícil dissolver nossa raiva mesmo quando estamos num ambiente pacífico, porque ficamos presos nas armadilhas de nossas emoções e conceitos equivocados do passado. Mas se aos poucos aprendermos a subjugá-los, então quando formos ao trabalho, à escola ou às reuniões familiares, teremos boas chances de trabalhar a nossa raiva quando ela surgir. Com uma prática constante, seremos até capazes de evitar que a raiva sequer surja.

Subjugar a raiva é um processo lento e firme. Ao ouvir uma ou duas coisas hoje, não espere que sua raiva se vá para sempre a partir de amanhã. Reagir com raiva é um mau hábito profundamente enraizado, e como todos os maus hábitos, leva tempo para ser removido. Temos de nos esforçar para desenvolvermos a paciência.

Além disso, precisamos aprender a ser pacientes conosco mesmos. Às vezes podemos ficar com raiva de nós mesmos por ter perdido a calma com alguém. “Eu sou tão mau. Eu sou horrível. Eu estou frequentando há um mês os ensinamentos budistas e ainda fico com raiva. O que há de errado comigo?” Pensando assim só compõe o problema. Não somos “culpados, maus ou sem esperança” por ter ficado com raiva. Simplesmente não estamos bem treinados na paciência. Aliás, a paciência é uma qualidade que só podemos desenvolver com prática e tempo.

Além de aumentar nossa paciência, tolerância e sabedoria - qualidades que torna nossas mentes claras - é bom aprendermos a nos comunicar claramente com os outros. Atualmente, as universidades, as empresas e os programas de educação de adultos conduzem aulas de comunicação, treinamento de positividade e resolução de conflitos. Enquanto as técnicas Budistas ajudam a pacificar a raiva interna, estes cursos ensinam técnicas para ouvir e se expressar eficazmente.
Antídotos para a raiva

Vejamos alguns exemplos examinando meios de como lidar com a raiva. Receber críticas frequentemente aciona a nossa raiva. Alguém aqui foi criticado hoje? Eu não ficaria surpresa se todos levantassem as mãos. Geralmente, recebemos críticas com facilidade. Nós precisamos trabalhar tanto para conseguir algumas coisas - como dinheiro - mas a crítica vem sem nem se precisar pedir!

Quando somos criticados, normalmente sentimos que somos as únicas pessoas em que os outros descarregam, não é? “Eu faço o melhor que posso, mas o patrão sempre deixa passar as falhas dos outros, e inevitavelmente nota as minhas. Tanta gente implica comigo.”

No entanto, conversando com os outros, notaremos que quase todos sentem que foram muito criticados. Não acontece só conosco. Nossos problemas parecem maiores do que os dos outros porque somos muito auto-centrados.

Quando alguém nos critica, nossa reação instantânea é a raiva. O que aciona esta resposta? É a nossa concepção da situação. Embora possamos não estar conscientes disto, nós mantemos o ponto de vista: “Eu sou perfeito. Se cometo erros, eles são pequenos. Esta pessoa não compreendeu nada da situação. Ela está exagerando meu único e pequeno erro e sai gritando a altos brados para o mundo inteiro! Ela está muito errada!”

Esta é uma descrição ultra-simplificada do que está acontecendo dentro de nós, mas se estivermos conscientes, vamos perceber que sentimos assim. Mas estarão certos estes conceitos? Somos perfeitos ou quase perfeitos? Obviamente que não.

Tomemos uma situação onde cometemos um erro e alguém o nota. Agora, se aquela pessoa chegasse e se dissesse que temos um nariz em nosso rosto, nós ficaríamos com raiva? Não. Porque não? Porque é óbvio que temos um nariz. Está lá para todo mundo ver. Alguém simplesmente o viu e comentou.

É a mesma coisa com nossos erros e defeitos. Eles estão lá, são óbvios, e o mundo os vê. Aquela pessoa só está comentando o que é evidente para ela e para os outros. Porque devemos ficar com raiva? Se não nos aborrecemos quando alguém diz que temos um nariz, porque deveríamos nos aborrecer quando alguém diz que cometemos erros?

Nós ficaríamos mais relaxados aceitando-os. “Sim, você está certo, eu cometi um erro.” Ou, “Sim, eu tenho um mau hábito.” Ao invés de encenar o ato de “Eu sou perfeito. Como ousa dizer isto?!”, podemos simplesmente admiti-lo e nos desculpar. Ao dizer “Eu sinto muito,” a situação fica completamente diluída.

É tão difícil dizer “Sinto muito,” não é? Achamos que estamos perdendo algo quando nos desculpamos, que diminuímos de valor, que somos menores. Sentimo-nos ligeiramente covardes, e tememos que a outra pessoa terá poder sobre nós porque admitimos nossos erros. Estes temores nos tornam defensivos.

Tudo isto é nossa projeção errada. Sermos capazes de nos desculpar indica nossa força interna. Somos suficientemente fortes e suficientemente honestos e auto-confiantes que não precisamos fingir que não temos defeitos. Podemos admitir nossos erros. Ter defeitos não faz de nós um objeto para a cesta do lixo! Tantas situações tensas podem ser diluídas com simples palavras como “Sinto muito.” Muito frequentemente, tudo que a outra pessoa quer é que reconheçamos a sua dor e o nosso papel nela.

De maneira semelhante, quando os outros nos pedem desculpas, devemos aceitá-las. Este é um dos votos de bodhisattva. Depois que alguém nos pediu desculpas, se continuarmos a guardar rancor, estaremos nos atormentando. Se retaliarmos, o estaremos prejudicando. Qual a utilidade de qualquer coisa dessa? Que tipo de pessoa seremos se encontramos felicidade ao vingativamente impor sofrimento aos outros?

Vamos mudar ligeiramente de situação. Desta vez, somos criticados por algo que não fizemos. Ou cometemos um pequeno erro e a outra pessoa nos acusa de um erro enorme. Mesmo em tais casos, ainda não há motivo para ficar com raiva. É como alguém dizendo que temos chifres em nossas cabeças. Nós não temos chifres. A pessoa que diz isto está simplesmente exagerando a situação. O que ele está dizendo está fora do reino da realidade. Ele cometeu um erro. De maneira semelhante, quando alguém nos culpa injustamente, não há motivo para ficar com raiva ou deprimido, porque o que ele está dizendo é incorreto.

É claro que isto não significa que devemos simplesmente ficar ali passivos, enquanto o outra mente ou exagera, sem fazermos um esforço para corrigir o mal entendido. Cada situação precisa ser examinada separadamente, usando a sabedoria discriminatória. Em alguns casos, é melhor deixar de lado e nem tentar corrigir, nem mesmo depois. Mais tarde, o outro pode perceber seu erro. Mesmo se não percebê-lo, uma discussão ainda maior pode começar se tentarmos explicar o que aconteceu.

Por exemplo, se sua mãe está de mau humor e começa a implicar com você, é melhor deixar isto de lado. Perdoe-a. Se você tentar explicar, como ela já está irritada, ela pode ficar com mais raiva ainda. E estaríamos resmungando com a nossa mãe por ela estar resmungando conosco! Seria uma amolação ficar corrigindo todo mundo toda vez que ele ou ela dissesse algo impreciso. Além disso, ninguém gostaria de nos ter por perto.

Em outras situações, embora possa ser doloroso, devemos explicar ao outro os nossos atos e a evolução do mal entendido. É nossa responsabilidade fazer isto, e assim mitigar a sua raiva.

É melhor discutir o mal entendido ou discordância quando nem nós nem o outro estiver no calor da raiva. Quando estamos com raiva, não nos expressamos bem e isto piora a situação. Se alguém grita conosco, geralmente não ouvimos o que está dizendo simplesmente porque esta maneira de falar nos desagrada. De forma semelhante, se falarmos aos outros com raiva, eles também não prestarão atenção em nós. Portanto, precisamos primeiro nos acalmar praticando alguma das técnicas de pacificar a raiva.

Em segundo lugar, quando a outra pessoa está com raiva, ela não ouve o que estamos dizendo. Nós não ouvimos os outros quando estamos inflamados porque naquele momento estamos dominados pela raiva. De maneira semelhante, deixe o outro se acalmar e aproxime-se dele mais tarde quando sua mente estiver mais aberta.

Ao explicarmos nossos atos e a evolução do mal entendido à outra pessoa, será muito mais eficaz falar gentilmente do que com antagonismos. Não temos nada a perder sendo humildes e oferecendo uma explicação honesta. Aliás, para as pessoas que têm os votos de bodhisattva, é nossa obrigação aliviar os sofrimentos daqueles que estão com raiva da gente. É cruel dizer com arrogância: “A sua raiva é problema seu,” e ignorar alguém com que discutimos.

Assim, recordar o exemplo do nariz e dos chifres é um antídoto contra a raiva.

Agindo ou relaxando

Uma outra técnica é também simples. Digamos que estamos numa situação horrível. Se pudermos corrigi-la, para que ficar com raiva? Podemos agir, podemos mudá-la. Por outro lado, se não pudermos alterar uma situação, para que ficar com raiva? Não há nada a ser feito, portanto estaremos melhor aceitando a situação e relaxando. Ficar agitado só aumenta o sofrimento que já está lá.

Esta técnica também é boa para as pessoas que se preocupam demais. Pergunte a si mesmo, “Eu posso fazer alguma coisa com relação a esta situação?” Se a resposta for sim, então não há necessidade de se preocupar. Aja. Se a resposta for não, novamente a preocupação é inútil. Relaxe e aceite a situação.

A raiva

A raiva é destrutiva?

Primeiramente vamos concordar que a raiva é uma emoção destrutiva. Estou levantando este ponto porque algumas pessoas acham que a raiva é construtiva. Elas dizem: “Fulano me roubou. Eu tenho o direito de ficar com raiva. Foi bom que eu lhe dei um fora e o coloquei no seu lugar. Se não fosse por isto, ele iria montar em mim!” Assim, tentam justificar suas raivas.

Se pensarmos assim, não faremos nada a respeito da nossa raiva, porque acharemos que ela é benéfica. Mas, vamos dar uma olhada mais profunda e perguntar, “Quando estou com raiva, estou feliz?” Alguém fica realmente feliz quando está aborrecido, irritado ou furioso?

Ninguém fica. Se nos sentimos infelizes quando estamos com raiva, como é que a raiva pode ser positiva? Qualidades positivas nos trazem felicidade, mas quando estamos com raiva, definitivamente estamos infelizes.

Examinando nossa própria experiência, vemos que a raiva traz muitas desvantagens. Quando estamos com raiva, fazemos e dizemos coisas que mais tarde lamentamos. A raiva nos faz perder o nosso controle, então falamos aos outros com crueldade; e podemos até mesmo ferir fisicamente aqueles a quem amamos. Cada um de nós tem um armazém oculto de eventos em nossas vidas que não gostaríamos de lembrar, porque estamos envergonhados da maneira como agimos naquelas ocasiões.

Às vezes nos indagamos porque os outros não gostam de nós. Pensamos que somos pessoas bastante boas! Mas se vermos a maneira como tratamos os outros, especialmente quando estamos com raiva, então fica claro porque eles não confiam em nós.

Lembre-se de uma situação em que tenha tido raiva. Saia por um momento de seus próprios sapatos e olhe a si mesmo do ponto de vista da outra pessoa. Veja o que disse e o que fez. Você foi uma pessoa querida naquela ocasião? Você foi gentil? Você gostaria de ser seu próprio amigo quando fica irrascível?



É bom soltarmos a nossa raiva?

Muitos terapeutas encorajam seus clientes a sentir raiva de coisas que aconteceram muitos anos atrás e a soltar a sua raiva. Mais tarde, quando os terapeutas ou clientes ouvem os ensinamentos Budistas sobre as desvantagens da raiva, eles perguntam se Buda defendia a supressão da raiva.

Não, ele não defendia. Suprimir ou reprimir a raiva não acaba com ela, apenas a oculta. Podemos ter um sorriso em nosso rosto, mas se ainda tivermos raiva em nossos corações, não teremos resolvido a raiva. Isto não é praticar a paciência, é ser hipócrita! Além disso, segurar a raiva é doloroso e pode nos prejudicar.

É importante sermos honestos conosco e reconhecermos nossa raiva, ao invés de fingir que ela não existe. No entanto, reconhecer que estamos com raiva é diferente de expressá-la verbal ou fisicamente. Quando soltamos a raiva, nos arriscamos a fazer outras pessoas infelizes. Igualmente, soltar a raiva batendo em almofadas ou gritando em lugares solitários não resolve a hostilidade e a frustração. Isto apenas dissipa temporariamente a energia-raiva. Além do mais, começamos a formar o hábito de gritar ou bater em objetos, o que não é benéfico.

Existem alternativas para os extremos de suprimir a raiva ou soltá-la. O Budismo defende dissolvê-la, para que ela deixe de existir. Então nossos corações estarão livres de hostilidade e nossas ações não ameaçarão o bem-estar dos outros. Com as mentes claras, podemos então discutir e resolver as situações difíceis com os outros.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A antiga Índia


A invasão da Índia por tribos árias, por volta de 2000 ou 1500 a.C., inicia o período histórico propriamente dito. Os árias, povos nômades vindos do Iran, Ocuparam a região do Punjab e dominaram a já decadente civilização dos hindus, absorvendo-lhe numerosos elementos. Tem início então o Período Védico (c. 1500-c. 500 a.C.), narrado nos Vedas, hinos sagrados de diferentes épocas, escritos em sânscrito. O Rig-Veda descreve as lutas dos árias contra os drávidas, no Vale do Indus, proporcionando uma idéia sobre a vida e sociedade desse tempo; os três outros Vedas - Sama-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda -, seguidos pelos Brahmanas Upanichades, narram a fase da conquista da Planície Indo-Gangética, quando, através da síntese ário-dravídica, surge o Hinduísmo, com sua sociedade dividida em castas e varnas ou ordens. O Período Védico se encerra no final do séc. VI a.C., quando surgiram novas ideologias e religiões que transformaram o ambiente intelectual do país. Entre os vários reformadores religiosos que pregaram novas orientações dentro do contexto do Hinduísmo, destacam-se Buda, filósofo e reformador social, e Mahavira (540-468 a.C.), último profeta jaina, que deu origem ao Jainismo. Tais pregações encontraram ambiente propício entre os magádicos, em franca prosperidade comercial.

Império Mauria

Os persas, sob Ciro, o Grande, e Dario I, anexaram a região do Indus. Os gregos, com Alexandre Magno, ocuparam, de 327 a325 a.C., o Punjab e o Sind, anexando vários reinos hindus, como os de Taxila e Porus. O Império Mauria foi fundado por Chandragupta Mauria, que derrotou os filhos do rei Nanda e expulsou os gregos do Punjab, tornando-se senhor de Mágada. Deteve as invasões das forças de Séleuco, em 305 a.C., levando-as em bater em retirada. Chandragupta foi sucedido por seu filho Bindusara (298-c. 274 a.C), que expandiu e consolidou o Império, e por seu neto Asoka, o "rei monge", que dominou o Kalinga, ocupando toda a Índia, com exceção dos reinos de Chola e Pandya, do Sul. Asoka foi o maio e o mais famoso dos soberanos da Índia. Seus editos, gravados em rochas, mostram-no como adepto do Budismo. O Império Mauria não sobreviveu por muito tempo a Asoka. Não se sabe se seus sucessores governaram todo o império ou apenas partes dele. Finalmente, em c. 185 a.C., Pushyamitra, comandante militar, assassinou seu senhor, fundando a dinastia Sunga (185-72 a.C.).

Invasões Estrangeiras

A queda do Império Mauria foi imediatamente seguida por uma série de invasões estrangeira procedentes do Oeste. Os primeiros invasores foram os gregos do Reino de Bactria, que, sob Demétrio II, ocuparam a parte oriental do Império Macedônio no início do séc. II a.C. Mas a resistência local acabou por confinar o domínio grego ao Punjab. Após a morte de Menandro, seu mais famoso governante, o reino helênico enfraqueceu-se gradualmente devido aos ataques dos sakas ou citas, deixando forte influência nos campos da Astronomia e da Escultura. Os citas, procedentes da Ásia Central, expulsaram os gregos da Bactria e, por volta de 80 a.C., exerciam o controle sobre o Punjab. Os citas, que inicialmente se associaram aos palavas, sofreram gradual processo de indianização e a dinastia por eles fundada durou até o final do séc. IV d.C., quando foi destruída pelos guptas. Os mais poderosos invasores dessa época, os kushans, antigos yueh-chih, derrotaram os citas, e sua Segunda dinastia teve em Kanishka o seu maior representante, grande defensor do Budismo.

Dinastias Nacionais

Após os maurias, projetaram-se no Decan os andhras ou satavahanas, que alcançaram o apogeu no séc. II d.C. Adeptos do Budismo de protetores da literatura pra crítica, de forma vernácula, popular, os andhras apoderaram-se do Malwa e iniciaram longa luta contra os citas do Gujarat, cabendo a Vikramaditya derrotá-los. No Reino de Kalinga, Kharanvela, adepto do Jainismo, alconçou grande poderio, tendo combatido os andhras e tomado Pataliputra aos sungas. No sul permaneceram os reinos tâmiles e no Norte coube aos bharasivas derrotar os kushans e restabelecer o poder imperial. As dinastias nacionais restauraram a autoridade imperial e o sistema nacional ortodoxo, favorecendo o renascimento da cultura sanscrítica.

O Império Gupta e a Índia Clássica

Após invasões estrangeiras, a história política do país conheceu um período de relativa obscuridade, situação que permaneceu até a ascensão de Chandragupta, fundador da Dinastia Gupta, em 320. Seu filho e sucessor Samudragupta (c. 340-380), que realizou conquistas no Norte e no Sul, foi grande protetor das artes e da Literatura. O Império Gupta alcançou seu apogeu sob Chandragupta II Vikramaditya, filho de Samudragupta, que expandiu mais ainda o império com a conquista do Reino Saka, de Ujjaim, e outros territórios. Após os reinados de Kumaragupta I e Skandagupta, o período imperial dos guptas terminou, embora a família tivesse continuado a governar com autoridade reduzida durante séculos. O império dividiu-se e surgiram novas dinastias.

Novas Invasões e as Rivalidades Dinásticas

No início do séc. VI, os hunos brancos ou eftalitas conquistaram a maior parte do país. O chefe huno Toramana e seu filho Mihiragula mantiveram a supremacia até o final do reinado deste último, quando o gupto Baladitya repeliu os hunos no Ganges. Em 533, Yasodharman restabeleceu a supremacia hindu na Índia Ocidental. No séc. VII, Harshavardhana (606-647), de Thamesar, grande protetor das letras e adepto do Budismo, tentou constituir um império, obtendo êxito apenas na Índia Setentrional. Após a morte de Harshavardhana, o Norte do país subdividiu-se em diversos Estados, destacando-se os governantes das dinastias Pala, Sena, Rajpute, Chalukia e diversas outras. No Sul, além dos chalukias, predominaram os rashtrakutas, e no extremo sul, os três reinos tâmiles --- Chola, Pandya, e Chera --- foram tomados pelos palavas, cujo apogeu ocorreu em fins do séc. VI. Os palavas dominaram até o final do séc. IX, quando cederam lugar ao império dos cholas, os quais, sob Rajaraja I (985-1014) e seu filho Rajendra (1014-44), controlaram não apenas o sul da Índia e o Ceilão como enviaram uma expedição naval à Indonésia e Malaia (atual Maláisia).

Domínio Islâmico

Primeiro Período. A expansão árabe na Índia iniciou-se com a conquista do Sind (712), mas somente consolidou-se após a ocupação da região hoje correspondente ao Afeganistão. Estabelecidos em Ghazni, no final do séc. X, escravos turcos começaram a realizar incursões no Punjab. Muhmud (971-1030) estendeu o domínio da Mesopotâmia ao Ganges e da Transoxiana aos desertos de Rajputana. Os descendentes de Muhmud foram expulsos de Ghazni por um poder muçulmano rival, os shansabanis de Ghor, e forçados a refugiarem-se no Punjab. A conquista efetiva veio com o Mahamed de Ghor, que derrotou definitivamente as forças hindus do soberano Rai Prithwiraj, de Delhi, na Batalha de Taraori (1192). Após o assassino de Muhamed (1206), um de seus generais, fundou a dinastia dos reis-escravos, de Delhi. Assim surgiu o Sultanato de Delhi, que durou até 1526, quando Babur lançou as bases do Império Mongol.

História recente

Os ingleses consolidam o domínio do país pelo Reino Unido em 1690, após guerra com a França. Em 1920 Gandhi desencadeia uma luta nacionalista. A Índia obtém sua independência em 1947, quando os líderes muçulmanos decidem formar um estado independente, o Paquistão.
Durante o período da guerra fria a União Soviética apoia Índia, sendo o Paquistão apoiado pelos Estados Unidos. O primeiro governo independente, até 1964, presidido por Jawaharlal Nehru, é estatizante e de origem socialista..
Os conflitos étnicos continuam. Em 1996, inicia-se uma fase marcada pela formação e queda de coalizões. O BJP é o partido mais votado nas eleições de 1998. O triunfo militar das forças indianas em novo embate na Caxemira, em maio de 99, garante a vitória do BJP e partidos aliados nas eleições de setembro e outubro. A questão Caxemira continua com grupos muçulmanos na Caxemira indiana reivindicando a independência da região ou sua anexação ao Paquistão.

Independência

Em 15 de agosto de 1947, do Reino Unido.

A história da Índia começa entre os anos 3000 e 2500 a.C., com o surgimento da civilização das cidades de Harappa e Mohenjo Daro no vale do rio Indo.

A civilização da Índia é mais antiga do que a da China, mas tem uma história mais desarticulada. Em alguns aspectos, a antiga Índia ainda hoje é visível e acessível para nós como nenhum outro centro primitivo de civilização. No começo do século XX, muitos indianos ainda viviam como os nossos primevos ancestrais, vivendo da caça e da coleta. O carro de boi e a roda de oleiro de muitas aldeias, como se pode ver hoje, são idênticos aos usados há quatro mil anos. Deuses e deusas cujos cultos podem remontar à Idade da Pedra ainda são venerados em santuários nas aldeias. Arranjos sociais cujas linhas mestras foram estabelecidas bem antes do ano 1000 a.C. ainda norteiam a vida de milhões de indianos — cristãos e muçulmanos, bem como hindus. Os drávidas, povo de pele escura, cujos descendentes atuais são principalmente encontrados no sul da Índia, também viviam no norte há cerca de cinco mil anos. Podem até ser os indianos aborígenes, embora não se tenha certeza.

(J. M. Roberts, O Livro de Ouro da História do Mundo, Ediouro)

Os drávidas, ou dravidianos, possuiam uma escrita que infelizmente não foi decifrada. Porém, a partir das descobertas arqueológicas e dos escritos posteriores, é possível ter uma idéia de como eles viviam. Os drávidas mantinham uma sociedade organizada, centralizada e conservadora, sustentada pela riqueza do comércio, da pesca e da agricultura, sendo muito hábeis na irrigação. No campo espiritual, enfatizam a crença no renascimento e no processo de causa e efeito de nossas ações. A libertação seria fruto da renúncia às coisas mundanas e da prática de austeridades e meditação. Os drávidas desenvolveram formas primitivas de yoga e meditação, que mais tarde seriam herdadas pela religião hindu.

Entre 2000 e 1750 a.C., os āryanos — povos indo-europeus provenientes do Hindu Cush — começaram a invadir a Índia através das montanhas do noroeste, forçando os drávidas a recuar para o sul. Os āryanos eram nômades e mantinham uma sociedade pastoril; eles passaram a dominar o vale do Indo e o Punjab. Suas crenças religiosas era bem diferentes daquelas dos drávidas. Os āryanos não acreditavam no renascimento ou na retribuição moral das ações. Eles enfatizavam a prática de rituais e sacrifícios como um meio de conseguir riqueza, poder e fama. Sua meta não era a libertação espiritual, mas sim chegar ao paraíso — isto é, versão melhora da vida terrena.

A partir do encontro da religiosidade āryana com a pré-āryana, surgiu o hinduísmo. O panteão āryano — divindades como Indra, Varuṇa, Agni, Vāyus, Viṣṇu, Sūrya e Yama, personificações dos poderes da natureza — seria somado ao panteão pré-āryano — divindades como Brahmā, Śiva e Śakti, que personificam o absoluto. Em alguns casos, houve a identificação de divindades; por exemplo, o deus Śiva dos pré-āryanos seria identificado com o deus Rudra dos āryanos.

Nesta época, estabeleceram-se os fundamentos da religião hindu e foram escritos os hinos sagrados conhecidos como Vedas. Os hindus aceitam estas escrituras com grande autoridade. A teoria da invasão āryana, por exemplo, é rejeitada por muitos hindus porque ela difere das histórias relatadas nos Vedas.

Por volta de 1200 a.C., provavelmente por causa das mudanças ambientais e das invasões por tribos do nordeste, os āryanos passaram a ocupar o vale do rio Ganges. A partir do século VIII a.C., quando começaram a ser compostos os Upaniṣads, os indianos mudaram o seu foco do culto exterior para o ascetismo interior, dos deuses para ser humano, dos rituais dos āryanos para as antigas técnicas de yoga e meditação dos drávidas. Essa mudança de foco — do universo para o ser humano — também aconteceria na Grécia, na transição do período pré-socrático, cosmológico, para o período socrático, antropológico.

Rāma
O príncipe Rāma

Os dois grandes épicos indianos, o Rāmayāṇa e o Mahābhārata, foram escritos em meados de 400 a.C.

O pensamento indiano é abstrato, metafísico, focaliza o geral e o universal em detrimento do particular; não foi favorável, portanto, ao desenvolvimento de disciplinas que tratam do particular, como a História. O pensamento chinês é oposto ao indiano: preocupa-se com o particular, com o concreto, em detrimento do universal; avesso às especulações metafísicas, concentra-se na reflexão sobre a moral e a política; grande desenvolvimento da História, "rainha das ciências", tradicionais chinesas. No Japão há uma cultura híbrida, resultado da fusão da cultura chinesa com contribuições da tradição indiana, via buddhismo, mais um substrato arcaico autóctone; predomina no Japão uma atitude estética: até mesmo as tradições metafísicas são expostas preferencialmente através de formas artísticas.

(Ricardo Mário Gonçalves, O Caminho do Despertar, Instituto Budista de Estudos Missionários)

Diferentemente das outras religiões mundiais, o hinduísmo não tem fundador, nem credo fixo nem organização de espécie alguma. Projeta-se como a "religião eterna" [sânscritosanātana dharma] e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela capacidade excepcional que vem demonstrando através da história abranger novos modos de pensamentos e expressão religiosa. [...] As raízes do hinduísmo podem ser encontradas em algum ponto entre o ano 1500 a.C. e o ano 200 a.C., quando os chamados āryanos (isto é, os "nobres") começaram a subjugar o vale do Indo. As crenças dessas pessoas tinham ligação com outras religiões indo-européias, como a grega, a romana e a germânica.

(Victor Hellern, Henry Notaker, Jostein Gaarder, O Livro das Religiões, Companhia das Letras)

As raízes do hinduísmo retrocedem muito no passado, talvez antes das invasões āryanas, pois já nas civilizações do Vale do Indo eram venerados deuses que podem ter sido precursores ou "antepassados" do Śiva hindu. Mas depois o hinduísmo extravasou o modelo do antigo bramanismo e da religião védica que durante muito tempo o envolveu. No tempo dos guptas [séculos IV-V], já existia algo bem parecido com a futura sociedade hinduísta da Índia. Sua base era o sistema de castas, na época já proveniente da antiga divisão da sociedade védica em quatro classes. A crença religiosa também havia mudado. No entanto é difícil descrever a religião hindu, pois não se trata de credos ou declarações quanto ao que se deve acreditar. Tampouco a religião hindu deve ser pensada como algo à parte ou como um aspecto isolado da vida. Ao contrário, é uma maneira de ver o mundo como um todo (visível e invisível) e viver nele. Se existe um princípio prático fundamental no hinduísmo, é viver a vida com o lugar de cada um no esquema das coisas.

Para os camponeses — e os indianos, em sua maioria, que são e sempre foram camponeses — isto pode significar meras tentativas supersticiosas de assegurar a boa vontade das divindades no templo local, respeito pela casta e pelas suas restrições práticas, participação em festivais populares, como aqueles durante os quais ainda hoje circulam pelas aldeias grandes carros pintados e esculpidos com demônios, deusas, deuses e monstros. Também existiam cultos mais especializados, a deuses ou deusas maiores, como Śiva e Kṛṣṇa. E ainda um hinduísmo puramente filosófico, bem distante da crueldade dos sacrifínios animais e da veneração de imagens que ocorriam em nível popular (como durante muitos séculos acontecem com o cristianimo popular, nas orações mágicas e supersticiosas aos santos). Sua forma mais desenvolvida era chamada deVedānta, crença abstrata que acentuava a irrealidade do presente mundo material. Ela ensina que os homens precisavam se desvencilhar deste mundo, conquistando um verdadeiro conhecimento da realidade ou brahman. No que se refere à doutrina, o hinduísmo tinha algo para atender a todas as necessidades. Mas a maneira pela qual funcionava na vida diária tendeu a torná-lo mais rígido e estrito.

(J. M. Roberts, O Livro de Ouro da História do Mundo, Ediouro)

Os textos sagrados hindus foram escritos em sânscrito, uma das línguas mais antigas do mundo. Em todas as regiões da antiga Índia, havia uma grande quantidade de idiomas, muitos dos quais presentes até os dias de hoje. Por exemplo, na região norte, onde viveria o Buddha, a língua falada era o maghadiou ardha-magadhi — uma espécie de sânscrito popular, muito semelhante ao idioma pāli.

A fonte principal de doutrina da tradição hindu vem de um conjunto de hinos que vem sendo transmitido há mais de dois mil anos chamados de Vedas. Literalmente este nome significa "conhecimento" ou ainda "corpo de conhecimento", e é a fonte de inspiração de todos os desenvolvimentos posteriores ocorridos nesta tradição. Inspirados pelos ṛṣis ou sábios de antigamente, tais hinos foram, então, transmitidos por gerações na forma de tradição oral. Eles são em número de quatro: Ṛg Veda, Sāma Veda, Yajur Veda e Atharva Veda, sendo que o primeiro é o mais antigo e também o mais importante.

Posteriormente, com o desenvolvimento da tradição dos sacerdotes, um conjunto de ensinamentos foi sendo elaborado com o fim de esclarecer ainda mais o significado deBrahmān, a realidade suprema subjacente a todas as coisas e tema central dos Vedas. Assim surgiram os Brāhmaṇas, um conjunto de textos versando sobre a relação entre o cosmos e o ritual, e a necessidade deste último para o equilíbrio do primeiro e de toda a vida.

Seguindo somente aos Vedas em importância, estão os Upaniṣads, onde se expressa propriamente a tradição comentarial dos Vedas. Fala-se da existência de muitos Upaniṣads, dentre os quais 108 são preservados até hoje. Destes, dez são considerados os principais, sendo que o Bṛhadāraṇyaka e o Cāndogya são de muita importância. Significando literalmente "sentar-se perto devotadamente" ou também "ensinamento secreto", os Upaniṣads expressam a essência dos Vedas, tal como entendida pelos mestres do passado.

Dignos de menção são dois épicos que marcaram época e são ainda hoje respeitados e recitados pelos eruditos hindus e pelas camadas populares. O mais antigo é oMahābhārata (A Grande Índia), uma saga mística que, além de ser o maior épico da literatura mundial, possui também como um de seus capítulos a mais conhecida obra hindu no Ocidente, o Bhagavad Gītā (Canto do Abençoado), o qual conta a estória de Kṛṣṇa, a personificação do transcendente na Terra. A estória de outra destas personificações é o tema deste outro épico, o Rāmayāṇa (O Caminho de Rāma).

Por último devemos mencionar os Purāṇas, literalmente "Antigos", um conjunto de relatos míticos e históricos transmitidos através dos tempos. Após os Purāṇas as obras religiosas tornam-se cada vez mais particularizadas e passam a fazer parte das escolas específicas dentro da tradição.

(Ricardo Sasaki, O Outro Lado do Espiritualismo Moderno, Vozes)

A sociedade

Os āryanos implantaram um sistema de divisão da sociedade em cores ou castas (sânscrito varṇa, pālivaṇṇa). Geralmente, elas são apresentadas como classes sociais, semelhantes às que existiam na Europa (clero, nobreza, burguesia e camponeses). Entretanto, as castas são na verdade uma divisão de funções e não são baseadas na posse de capital:

  • brâmanes (sânscrito brāhmaṇa): sacerdotes, magos, religiosos e filósofos hindus, responsáveis pelos sacrifícios e rituais sagrados. Segundo os hindus, os brâmanes teriam nascido da boca do deus Brahmā e seriam caracterizados pela bondade (sânscrito sattva).
  • guerreiros (sânscrito kṣatriya): reis, nobres, autoridades, senhores feudais, oficiais e guerreiros da realeza, responsáveis pelo poder político e militar. Eles teriam nascido do braço direito de Brahmā e seriam caracterizados pela paixão (sânscrito rājas).
  • provedores (sânscrito vaiṣyas): mercadores, artesãos, camponeses e burgueses āryanos. Eles teriam nascido das coxas de Brahmā e seriam caracterizados tanto pela paixão (sânscrito rājas) quanto pela ignorância (sânscrito tamas).
  • servos (sânscrito śūdra): trabalhadores braçais. Eles teriam nascido dos pés de Brahmā e seriam caracterizados pela ignorância (sânscrito tamas).

Abaixo desse sistema estavam os sem casta (sânscrito avarṇa), no Ocidente conhecidos como párias. Segundo os hindus, os párias eram não-āryanos, não teriam nascido de Brahmā e, conseqüentemente, eram bastante discriminados. Esta situação desfavorecida, porém, era mais derivada do preconceito que do sistema de castas. Em muitos países, também há pobreza e discriminação, apesar de não existirem castas. A possibilidade de uma pessoa pobre enriquecer pode ser menor que a de um pária subir socialmente na Índia.

Muitos autores afirmam que o Buddha foi uma espécie de agitador religioso e social, que teria se levantado contra os brâmanes e o sistema de castas. Porém, ele nunca rejeitou a instituição bramânica em si; muitos de seus discípulos eram brâmanes. De fato, o que o Buddha rejeitou foram as pretensões de certos os brâmanes — por exemplo, sua suposta superioridade e origem divina.

Os encontros do Buddha com os brâmanes em geral eram amigáveis, as conversas caracterizadas pela cortesia e respeito mútuo. Muitos textos no Majjhima Nikāya tratam da pretensa superioridade dos brâmanes em relação às demais castas sociais. Na época do Buddha o sistema de castas estava apenas começando a tomar forma no nordeste da Índia e ainda não havia gerado as incontáveis subdivisões e regras rígidas que acabariam por aprisionar a sociedade hindu ao longo dos séculos.

Nos textos em pāli parece que os brâmanes, apesar de investidos de autoridade nas questões religiosas, ainda não haviam ascendido à posição de hegemonia incontestável que eles iriam adquirir depois da promulgação das Leis de Manu. Eles já tinham, no entanto, embarcado na busca pelo domínio e faziam isso através da propagação da tese de que a casta dos brâmanes era superior, a casta mais bela, os descendentes divinamente abençoados de Brahmā e que somente eles seriam capazes de se purificarem. A preocupação de que essa afirmação dos brâmanes poderia na realidade ser verdadeira parece ter se espalhado entre a realeza, que deve ter ficado atemorizada pela ameaça que eles representavam ao seu poder.

Contrário a certas noções populares, o Buddha não repudiou explicitamente a divisão de classes da sociedade hindu ou pediu a abolição desse sistema social. Dentro da comunidade monástica, no entanto, todas as distinções de casta eram anuladas no momento da ordenação. Desse modo, as pessoas de qualquer uma das quatro castas, que seguiam a vida santa sob o Buddha, renunciavam aos títulos e prerrogativas da classe à qual pertenciam para se tornarem simplesmente os discípulos do [Buddha, o] filho dos Śākyas. Sempre que o Buddha ou os seus discípulos eram confrontados com as reivindicações de superioridade dos brâmanes, eles argumentavam vigorosamente contra elas, afirmando que todas essas afirmações careciam de fundamento. A purificação, eles sustentavam, é o resultado da conduta e não do nascimento, e por esse motivo estava acessível a toda as pessoas das quatro castas.

(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)

Os movimentos religiosos

Muitos autores apresentam o bramanismo — o hinduísmo antigo — como sendo a tradição religiosa que dominava a Índia na época do Buddha. Entretanto, existiam muitos grupos religiosos diferentes e não havia uma predominância do bramanismo. Muitas pessoas não seguiam as regras sociais e religiosas dos āryanos. Deixavam a vida mundana e passavam a viver como ascetas nas florestas, dedicando-se a um severo auto-sacrifício com o objetivo de purificar as impurezas do corpo e do espírito.

Alguns ascetas enfatizavam a transcendência através de técnicas de meditação para acalmar e controlar a mente. Eles provavelmente foram influenciados pelos antigos yogas dos drávidas, originados antes da chegada dos āryanos na Índia. Outros ascetas, aparentemente influenciados pelas práticas védicas dos āryanos, enfatizavam a imanência e a aquisição de poderes mágicos através do conhecimento da natureza do universo. Estes praticantes espirituais heterodoxos eram conhecidos como vagueadores(sânscrito parivrājaka, pāli paribbājaka) ou contemplativos (sânscrito śrāmaṇa, pāli sāmaṇa).

A região da Índia na qual o Buddha viveu e ensinou no século V antes da era cristã estava cheia de uma abundante variedade de crenças religiosas e filosóficas propagadas por mestres igualmente variados nos seus estilos de vida. A principal divisão era entre os brâmanes e os ascetas não brâmanes, os śrāmaṇas ou "contemplativos". Os brâmanes eram os sacerdotes hereditários na Índia, os guardiões da ortodoxia antiga. Eles aceitavam a autoridade dos Vedas, que eles estudavam, recitavam em rituais inumeráveis, sacrifícios e cerimônias e aos quais recorriam como fonte para as suas especulações filosóficas. Por conseguinte, eles são caracterizados nos textos como tradicionalistas, que ensinam as suas doutrinas com base na tradição oral. O cânone pāli de modo geral os descreve vivendo uma vida confortável e equilibrada, casados e com filhos e em alguns casos desfrutando de favores reais. Os mais estudados são apresentados na companhia de estudantes — todos obrigatoriamente nascidos brâmanes — aos quais eles ensinavam os Vedas.

Os śrāmaṇas, por outro lado, não aceitavam a autoridade dos Vedas e por isso, sob a perspectiva dos brâmanes, eles se situavam na categoria dos heterodoxos. Em geral eles eram celibatários, viviam da mendicância e adquiriam o seu status através da renúncia voluntária e não através do nascimento. Os śrāmaṇas perambulavam pelo interior da Índia algumas vezes em grupos, algumas vezes solitários, pregando as suas doutrinas para a população, debatendo com outros contemplativos, dedicando-se às suas atividades espirituais que com freqüência envolviam rigorosas austeridades. Alguns mestres do grupo dos śrāmaṇas ensinavam exclusivamente fundamentados no raciocínio e na especulação, enquanto que outros ensinavam com base nas suas próprias experiências na meditação. O próprio Buddha se encaixava entre estes últimos, como aquele que ensinava o Dharma que ele compreendeu diretamente por si mesmo.

(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)

Dentre as doutrinas pregadas pelos diversos grupos religiosos, o Buddha apontou 62 como sendo errôneas. Ainda assim, seis mestres heterodoxos em relação ao buddhismo acabaram atraindo muitos seguidores em "caminhos externos", isto é, fora dos ensinamentos ortodoxos: Pūrāṇa Kāśyapa (pāliPūrāṇa Kāssapa), Maskarin Gośālīputra (pāli Makkhali Gosāla), Sañjaya Vairāṭīputra (pāli Sañjaya Velaṭṭhiputta), Ajita Kesakambala (pāli Ajita Kesakambalin), Kakudha Katyāyana (pāli Pakudha Kaccāyana) e Nirgrāṇṭha Jñātaputra (pāli Nigaṇṭha Nātaputta, também conhecido como Vardhamana Mahāvīra, fundador do jainismo).

Os śrāmaṇas eram um grupo muito mais diversificado que, sem ter uma autoridade espiritual comum, promulgavam uma pletora de doutrinas filosóficas que iam desde o diabólico até o super divino. O cânone pāli com freqüência menciona seis mestres em particular como contemporâneos do Buddha, e visto que cada um deles é descrito como "líder de uma ordem... considerado como um santo por muitos", eles deviam exercer muita influência na época. [...]

[1] Pūrāṇa Kāssapa [...] ensinava a doutrina da inação (pāli
akiriyavāda), que negava a validade das distinções morais.

[2] Maskarin Gośālīputra era o líder de uma seita conhecida como ājīvaka (ou ājīvika), que sobreviveu na Índia até a época medieval. Ele ensinava a doutrina do fatalismo e negava a condicionalidade (pāli ahetukavāda), e afirmava que todo o processo cósmico está controlado de modo rígido por um princípio chamado fatalidade ou destino (pāli niyati); os seres não possuem controle volitivo sobre as suas ações e se movem desamparadamente aprisionados pelo destino.

[3] Ajita Kesakambala era um niilista moral (pāli natthikavāda) que propunha uma filosofia materialista que rejeitava a existência de uma sobrevida e a retribuição do karma; a sua doutrina é freqüentemente citada pelo Buddha entre os tipos de ações prejudiciais como o paradigma do entendimento incorreto.

[4] Kakudha Katyāyana advogava o atomismo e fundamentado nisso ele repudiava os princípios básicos de moralidade.

[5] Sañjaya Vairāṭīputra, um cético, recusava-se a assumir uma posição em relação aos temas morais e filosóficos cruciais da época, provavelmente afirmando que esse conhecimento estava além da nossa capacidade de verificação.

[6] O sexto mestre, Nirgrāṇṭha Jñātaputra, é identificado como Mahāvīra, o histórico progenitor do Jainismo. Ele ensinava que há uma pluralidade de almas mônadas aprisionadas na matéria por laços do karma passado e que a alma deve ser libertada através do esgotamento dos laços kármicos por meio da prática severa da auto-mortificação.

Enquanto os textos em pāli em geral são corteses porém críticos em relação aos brâmanes, estes, por sua vez são vigorosos na sua rejeição às doutrinas rivais dos śrāmaṇas. Num discurso, o Buddha afirma que a firme adoção de qualquer uma das três primeiras doutrinas (e conseqüentemente a quarta) resulta numa cadeia de estados prejudiciais gerando karma ruim forte o suficiente para trazer um renascimento nos planos mais inferiores. Do mesmo modo, o venerável Ānanda descreve essas idéias como as quatro "negações da vida santa". O ceticismo de Sañjaya, apesar de não ser considerado tão pernicioso, é interpretado como um sinal da tolice e confusão do seu proponente; ele é descrito como "contorção de enguias", devido às suas evasivas e classificado entre os tipos de vida santa sem consolação. A doutrina jainista, embora compartindo algumas similaridades com os ensinamentos do Buddha era considerada suficientemente equivocada nas suas premissas básicas para ser refutada, e o Buddha assim o fez em várias ocasiões.

O repúdio a essas idéias errôneas era visto, sob a perspectiva buddhista, como uma medida necessária, não só para soar um claro alerta contra doutrinas que eram prejudiciais sob o ponto de vista espiritual, mas também para eliminar os obstáculos contra a aceitação do entendimento correto, que como precursor do caminho buddhista é um pré-requisito para o progresso no caminho para a libertação final.

(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)

Os deterministas (sânscrito ājīvaka, ājīvika), preocupados com a análise do presente e que acreditaram que todos os seres progridem para a perfeição, independente de seus esforços. Os céticos(sânscrito amāravikkhepika) não afirmavam nem negavam qualquer doutrina ou crença. Já oshedonistas (sânscrito carkava) e os materialistas ou mundanos (sânscrito lokāyata) defendiam uma visão existencialista, negando a prática espiritual e a lei da causa e efeito. Para eles, a única coisa verdadeira seria a realidade aparente das coisas percebidas através dos sentidos. Os materialistas diziam que cada um deveria agir conforme sua própria vontade para satisfazer seus desejos.

No início, o buddhismo foi apenas mais um entre os muitos movimentos religiosos indianos. Externamente, os monges buddhistas eram muito parecidos com os praticantes destes movimentos. O Buddha aceitou alguns ensinamentos conhecidos pelos religiosos da época, corrigindo determinados aspectos e rejeitando as visões errôneas. Enquanto certos autores afirmam erroneamente que o buddhismo é um protesto contra o bramanismo, há aqueles que partem outro extremo incorreto — afirmam que o buddhismo é uma vertente reformada do bramanismo. O Buddha teria resgatado a espiritualidade indiana original, baseada nos yogas meditativos dos drávidas, em contraste com espiritualidade védica dos invasores āryanos. Já alguns hindus afirmam que o Buddha deturpou os ensinamentos orignais do bramanismo.

Realmente, o Buddha não aceitava a autoridade das escrituras védicas, as especulações filosóficas dos brâmanes, seus rituais, sacrifícios e superstições. Os ensinamentos de Buddha enfatizam alguns elementos que já estavam presentes na espiritualidade pré-āryana, mas há ensinamentos que são únicos, originais e característicos do buddhismo. As verdades expressas nos ensinamentos de Buddha são atemporais, mas não tinham sido expostas desta forma em nenhum movimento religioso mais antigo — a não ser pelos seres iluminados de eras anteriores à nossa. Portanto, não é possível dizer que o buddhismo é um movimento de oposição aos brâmanes, mas também não é correto afirmar que o buddhismo é um ramo do bramanismo.

Por exemplo, os ensinamentos sobre karma, renascimento e meditação já eram encontrados nas tradições indianas pré-āryanas, mas o Buddha os apresentou de forma bastante peculiar. Ao contrário dos materialistas, ele não negou que os seres estão sujeitos aos frutos de suas ações (sânscrito karma, pāli kamma) e a sucessivos renascimentos na existência cíclica (sânscrito e pāli saṃsāra). Entretanto, ele rejeitou o fatalismo da predestinação — a idéia de que os seres estão sujeitos ao seu próprio destino e que nada podem fazer para mudá-lo. Buddha também não aceitou as visões extremas dos niilistas — a crença de que tudo acaba com a morte — nem dos eternalistas — a crença num absoluto (sânscritobrahmān) e num eu (sânscrito ātman) imutável, criado por um invisível ser todo-poderoso.

A meditação sobre o amor, a compaixão, a alegria e a eqüanimidade também é particularmente importante para o buddhismo. As quatro nobres verdades, o nobre caminho óctuplo, os doze elos do surgimento dependente, o não-eu e a vacuidade são encontrados apenas nos ensinamentos de Buddha. Com base nestes fundamentos, o buddhismo tornou-se um movimento religioso distinto e, ao longo dos séculos, absorveu elementos positivos das outras tradições asiáticas as quais entrou em contato. De modo geral, ao invés de discriminar as outras religiões, o buddhismo promoveu a tolerância e o diálogo com elas.

extraido de: http://www.dharmanet.com.br/buddha/india.php