terça-feira, 30 de março de 2010

Os Cinco Poderes Espirituais

Os Cinco Poderes Espirituais

O que a maioria das pessoas chama poder, os budistas chamam desejos. Os cinco desejos são a riqueza, fama, sexo, comida refinada, e muito sono. No Budismo, nós falamos dos cinco verdadeiros poderes, cinco tipos de energia. Os cinco poderes são fé, diligência, plena consciência, concentração e insight. Os cinco poderes são a fundação da real felicidade; eles estão baseados em práticas concretas que nós aprenderemos.

O poder da fé

A primeira fonte de energia é a fé. Quando você tem a energia da fé em você, você é forte. No Evangelho, Jesus disse que as pessoas com fé podem mover montanhas. Mas a palavra fé é mais bem traduzida como "confiança" e "crença," porque é sobre algo dentro de você e não dirigido para algo externo. O Patriarca Zen Lin Chi dizia a seus alunos: "Você que não têm bastante confiança em si mesmo, vai em busca destas coisas fora. Você precisa ter confiança que tem a capacidade para se tornar um Buda, a capacidade de transformação e cura."

Fé é ter um caminho que o conduz à liberdade, liberação e a transformação das aflições. Se você viu o caminho, se você tem um caminho para ir, você tem poder. Aqueles que não têm nenhum caminho para percorrer, sofrem. Eles não sabem aonde ir. Você estava procurando um caminho, e agora achou; você viu o modo.

Se você tiver um pouco de experiência que este caminho conduz em uma boa direção, terá fé nele. Você está muito feliz que tem um caminho, e assim começa a ter poder. Este poder não destruirá as outras pessoas ao seu redor. Na realidade, lhe dá força e energia que outras pessoas podem sentir. Quando você tiver fé, seus olhos serão luminosos e seus passos serão confiantes. Isto é poder. Você pode gerar este tipo de poder a todo momento de sua vida diária. Isto te trará muita felicidade.

Se você usa um método de prática e o acha eficiente, e se ele te trouxer plena atenção, concentração e alegria, então a fé e confiança nascerão disto, e não de algo que outras pessoas lhe falam. Isto é fé e confiança não apenas em idéias, mas nos resultados concretos de sua prática. Quando você é bem sucedido na prática da respiração atenta, você se sente claro, sólido, livre. A confiança nasce deste tipo de experiência. Isto não é nenhuma superstição. Não estará confiando em alguém fora de você. A energia da fé pode te trazer muita felicidade. Se você não tiver fé, se não tiver esta energia de confiança, você sofrerá.

Se olharmos cuidadosamente, poderemos ver que a energia de despertar, compaixão, e entendimento já estão lá dentro de nós. Ao reconhecer estas energias como uma parte inerente de seu próprio ser, você passa a ter confiança nelas. E se souber praticar, pode gerar estas energias para se proteger e ter sucesso no que quiser fazer.

O poder da Diligência

O segundo tipo de poder é a diligência. Você é capaz de voltar ao seu melhor e mais alto eu, mas você tem que manter esta prática. Não se permita ficar distraído e esquecer de praticar. Pratique regularmente, diariamente, com o apoio de sua família, amigos e comunidade - isto é diligência. Se você pratica a meditação sentada diariamente, a meditação andando diariamente, a respiração atenta diariamente, o comer atento diariamente, sua prática é nutrida, continuamente, firmemente, e esta é a segunda fonte de poder. Você pode praticar plena consciência, mas sua motivação não é provar que você pode fazer isto. O ponto não é se provar. O ponto é praticar para seu bem-estar e prazer. Você simplesmente pratica, e você faz isto diariamente.

Há quatro aspectos de diligência. O primeiro é que quando as emoções negativas não manifestaram em sua mente, você não lhes dá uma chance para manifestar. Na psicologia budista, nós descrevemos nossa consciência como tendo duas camadas, dois níveis. A mais baixa camada é chamada de consciência armazenadora, e a camada superior é chamada de consciência mental. Consciência mental é nossa mente normal consciente, enquanto a consciência armazenadora é nossa mente inconsciente.

A consciência armazenadora é como a terra, o chão, com muitas sementes preservadas nela. Em nossa consciência armazenadora há sementes de alegria, perdão, plena consciência, concentração, insight, e equanimidade. Mas também há sementes de raiva, ódio, desespero e assim por diante. Todas estas sementes são mantidas por nossa consciência armazenadora. Um das funções da consciência armazenadora é manter estas sementes.

Quando uma semente é regada em nossa consciência armazenadora, ela se manifesta como uma energia em nossa consciência mental e se torna uma formação mental. Você tem uma semente de raiva, mas enquanto ela estiver adormecida, dormente em sua consciência armazenadora, você não se sente bravo. Porém, quando a semente é tocada, quando é ligada, se torna uma formação mental chamada raiva, e você sente a energia de raiva surgindo. Nós podemos visualizar a consciência mental como uma sala de estar e a consciência armazenadora como um porão. Se nós regarmos uma semente de alegria, ela se manifestará no nível superior, na consciência mental, fazendo a sala de estar ficar bonita. Se regarmos a semente de raiva ou ódio, isto fará a sala de estar de nossa mente um inferno para nós e nossos familiares.

Todos temos uma semente de raiva, uma semente de desespero, e uma semente de ciúme em nós. Se você vive em um ambiente negativo, o ambiente pode ativar estas sementes. Se você vive em um ambiente positivo, então as sementes de desejo, violência, ódio, e raiva, não são tocadas, não regadas facilmente. Assim é sábio que você escolha um ambiente bom que prevenirá que estas sementes negativas sejam tocadas freqüentemente. Você não deveria permitir que pessoas ao seu redor tocassem estas sementes, e você não deveria se permitir as regar.

Quando você lê um artigo cheio de violência ou assiste a um programa de televisão ou filme violento, você liga a semente de violência. O primeiro passo da diligência é não ligar estas sementes negativas e não permitir que o ambiente as ligue. Diligência aqui significa a prática do regar seletivo. Assim se as sementes negativas na consciência armazenadora não se manifestaram, mantenha-as lá, não as deixe serem regadas. Em sua vida diária, tenha cuidado para não dar para a estas sementes uma chance para se manifestarem. Não as reprima; só não lhes dê uma chance. Em sua comunidade, em sua família, se exponha só a sons e visões que o ajudarão a tocar os elementos saudáveis dentro de você. Tente não se expor a visões e sons que estimulem a semente de desejo ou a semente de raiva em você. Você precisa de diligência para praticar isto, e você pode precisar de uma comunidade ou grupo de amigos com valores semelhantes para lhe ajudar a criar um ambiente bom. Você pode encorajar que seu parceiro, seus filhos, e seus amigos lhe ajudem a se proteger. E você também pode os proteger criando um ambiente onde eles não têm que estar em contato com coisas que reguem as sementes negativas deles.

O segundo aspecto de diligência é acalmar e substituir as sementes negativas que se manifestam em sua mente consciente. Quando uma semente negativa é ativada - a semente de desespero, a semente de raiva, ou a semente de violência - você precisa saber como ajudá-la a deixar de se manifestar e voltar a sua forma original como uma semente. Não a deixe ficar muito tempo no nível superior da consciência, porque se ficar muito tempo, crescerá mais forte e causará muita destruição. Há muitos modos para acalmar uma energia negativa sem reprimir ou lutar contra ela. Você a reconhece, você sorri para ela, e você convida algo mais agradável a surgir e substituí-la; você lê algumas palavras inspiradoras, você escuta um trecho de música bonita, você vai em algum lugar na natureza, ou você faz um pouco de meditação andando.

É como você colocar o CD errado, e tocar uma música que você não gosta, então você o substitui por outro. Quando o CD novo começa, é muito agradável. O Buda não tinha CDs no tempo dele, assim ele usou a imagem de mudar uma cavilha. Um carpinteiro usa uma cavilha de madeira para prender dois pedaços de madeira. Quando a cavilha estiver podre, não pode unir os dois pedaços, assim ele remove a velha e a substitui por uma cavilha nova. Da mesma maneira, você pode mudar seu pensamento se for desagradável. Se uma idéia é negativa, cheio de desejo ou raiva, você pode usar a respiração atenta para tocar uma semente que é saudável e convidá-la a surgir. Se esta semente saudável for bastante interessante, a semente desagradável secará. Mas a semente nova deve ser mais atraente senão a semente desagradável não irá facilmente e lutará pela sua atenção. Com habilidade, com diligência, você pratica o segundo passo para mudar a situação, ao ajudar a formação mental negativa a voltar a dormir e ajudando a manifestação da semente positiva. Quando a formação mental positiva surgir, a sala de estar estará ocupada e há pouca chance de convidados negativos se intrometerem.

Os primeiros dois aspectos de diligência se referem a ter cuidado com as sementes negativas, o terceiro e quarto, em nutrir as sementes positivas. O terceiro aspecto de diligência é sempre convidar sementes boas a se manifestar. Você sabe que você tem uma semente de amor, uma semente de perdão, uma semente de alegria, de paz, de felicidade. Aprenda modos para tocá-las e ajudá-las a se manifestar. Se você vive em um ambiente bom onde você é apoiado por uma comunidade amorosa e saudável, tem muitas oportunidades para ajudar estas sementes positivas a se manifestarem.

As sementes de despertar, entendimento, e compaixão sempre estão em nós. Elas fazem parte de nossa natureza inerente. A pergunta é como ajudar estas sementes a se manifestarem. Se sementes saudáveis e positivas na consciência armazenadora não se manifestaram, lhes ajude a se manifestar. Leia algo, diga algo, assista algo que regará a semente de compaixão, de bondade, assim elas se manifestarão em sua mente. Organize sua vida de tal modo que as sementes boas em você possam ser tocadas várias vezes por dia, assim elas podem se manifestar no nível de consciência mental. Isto pode ser feito depressa. Chame um convidado maravilhoso a estar freqüentemente na sala de estar, e isto mudará a situação inteira.

O quarto aspecto de diligência é tentar manter uma formação mental boa na sala de estar o mais possível. Nós temos que nutri-las, mantê-las na nossa mente. Se uma semente de compaixão, uma semente de alegria, ou uma semente de paz esta se manifestando como uma formação mental, é bom para você, assim a mantenha lá, e a convide para ficar, não a deixe voltar ao porão. Quando você tem um amigo adorável o visitando, você o convida a ficar o mais possível, porque a presença dele te traz muita alegria. É tão agradável ter um bom amigo que se sente com você na sua sala de estar. Se estiver chovendo, você poderia dizer, "Meu querido amigo, está chovendo lá fora, por isso fique e tome outra xícara de chá." Você tenta persuadir seu bom amigo a ficar o mais possível. Quanto mais tempo a formação mental ficar no nível da consciência mental, mais forte crescerá na base. Isto se aplica ao positivo como também ao negativo. Se você mantém o desejo na sua sala de estar por cinco minutos, a semente de desejo tem cinco minutos para crescer. Ajude a semente de desejo a voltar o mais cedo possível para o porão, e ao contrário, convide uma semente benéfica para ficar.

Quando você usar sua habilidade e estas práticas para criar plena consciência, isto é chamado verdadeira diligência. Verdadeira diligência pode trazer muita alegria, muita felicidade para você e seus familiares. Pessoas com a energia de diligência são extraordinariamente poderosas. Eles podem se transformar; podem ajudar transformar a comunidade, o ambiente, e o mundo.

O poder de Plena Consciência

O terceiro poder é o poder de plena consciência. Plena consciência é a energia de estar atento ao que está acontecendo no momento presente. Quando nós temos a energia de plena consciência em nós, estamos completamente presentes, estamos completamente vivos, e viveremos todo momento de nossa vida diária profundamente. Se você está cozinhando, lavando, limpando, sentando ou comendo, é um tempo para você gerar a energia de plena consciência. E a energia de plena consciência te ajuda a saber o que você deveria fazer e o que você não deveria fazer. Te ajuda a evitar dificuldades e enganos; o protege e joga luz em todas suas atividades diárias.

Plena consciência é a capacidade para reconhecer as coisas como elas são. Quando você está atento, reconhece o que está acontecendo no aqui e agora. Quando reconhecer algo positivo, pode desfrutar disto; pode se nutrir e pode se curar apenas reconhecendo estes elementos positivos. E quando algo for negativo, a plena consciência lhe ajuda a abraçar, acalmar, e adquirir um pouco de alívio. Plena consciência é uma energia que pode abraçar o sofrimento, a raiva, o desespero. Se souber abraçar seu sofrimento bastante tempo, você adquire alívio.

Se perdermos este poder de plena consciência, perdemos tudo. Sem plena consciência, fazemos e gastamos nosso dinheiro de modos que nos destroem e também às outras pessoas. Usamos nossa fama de tal modo que nos destruímos e aos outros. Usamos nossa força militar para destruir a nós mesmos e às outras pessoas.

Caminhar e comer são ações que executamos diariamente. Mas normalmente quando caminhamos, realmente não estamos caminhando. Nós estamos sendo levados por nossos projetos e preocupações. Não somos livres. Quando nós caminhamos com plena consciência, morando no momento presente, já não somos mais empurrados por nossos pesares sobre o passado ou nossas preocupações relativas ao futuro, tocamos as maravilhas da vida e cada passo nutre nossa felicidade. Com plena consciência não temos que lamentar o modo como vivemos. Plena consciência nos ajuda a ver e estar em contato com nossos familiares. É a energia que nos permite voltar a nós mesmos, estar vivos e verdadeiramente felizes.

O poder da Concentração

A plena consciência provoca o quarto poder, o poder da concentração. Quando você beber seu chá, apenas beba seu chá. Desfrute seu chá. Por favor não beba seu sofrimento, seu desespero, seus projetos. Isto é muito importante. Caso contrário você não poderá se nutrir.

Há coisas que você viu, mas não muito claramente. Você pode usar o poder da concentração para experimentar um progresso e ver a natureza do que está lá profundamente. Talvez você tenha alguma dificuldade, depressão, medo ou desespero e queira olhar profundamente a natureza de sua aflição para poder transformá-la. Para fazer isto você precisa de muita concentração.

Concentração pode nos ajudar a olhar profundamente a natureza da realidade e pode provocar o tipo de insight que pode nos liberar do sofrimento. Há muitos tipos de concentração que nós podemos cultivar. Através da concentração na impermanência, nós nos damos conta que tudo constantemente está mudando. Nós podemos morrer amanhã ou a qualquer hora por causa de um acidente. Nós deveríamos fazer tudo o que podemos para fazer nossos familiares felizes hoje. Amanhã pode ser muito tarde.

Com concentração no não eu - a realidade que nós não temos um eu separado - nos damos conta que o sofrimento não está só em nós, mas também na outra pessoa. Não só nós sofremos, mas também nossos filhos, nossos parceiros, nossos amigos e nossos colegas. Quando desenvolvemos concentração em interser, na interconexão de todas as coisas, vemos que se nós os fizermos sofrer eles nos farão sofrer de volta. Concentração na natureza da impermanência, não eu, e interser podem nos ajudar a realizar grandes avanços que trarão o quinto tipo de poder para nós, insight.

O poder do Insight

Insight, o quinto poder, é uma espada que sem dor corta todos os tipos de sofrimento, inclusive o medo, o desespero, a raiva, e a discriminação. Se você estiver usando seus poderes de concentração, o insight lhe permite ver no que você está concentrando completamente. Concentração em impermanência e não eu conduz ao insight de impermanência e não eu.

Impermanência não é uma idéia, não uma noção, mas um insight. Muitos de nós tentamos nos agarrar a alguma noção de estabilidade ou permanência desesperadamente. Ficamos ansiosos quando ouvirmos o ensinamento da impermanência. Mas impermanência não é apenas negativa; impermanência pode ser muito positiva. Tudo é impermanente, inclusive a injustiça, a pobreza, a poluição e o efeito estufa. Em nossas vidas, há mal entendidos, há violência, há conflito, há desespero, mas estas coisas também são impermanentes, e porque são impermanentes é que podem ser transformadas se nós tivermos insight em como viver no momento presente.

Porém, às vezes nos esquecemos da impermanência. Embora intelectualmente percebamos que tudo é impermanente, nos esquecemos naquele dia que nossos familiares adoecerão e morrerão. Não nos lembramos que nós mesmos temos que morrer algum dia. Temos uma tendência a pensar que sempre viveremos. E mesmo que não tenhamos o insight, precisamos viver lindamente e realmente apreciando nossos familiares. Para muitos de nós, a dor intensa que sentimos com a morte de um ente querido não é totalmente porque sentimos a falta dele. Ela existe em maior parte porque lamentamos que, enquanto nosso amado estava vivo, não tivemos tempo para ele, não cuidamos dele de todo coração. Nós podemos tê-lo tratado indelicadamente. E agora que nosso amado se foi, nos sentimos culpados. Se nós tivermos o insight da impermanência, saberemos que nosso amado morrerá um dia e que temos que fazer tudo que pudermos para fazê-lo feliz hoje. Não espere por amanhã. Amanhã pode ser muito tarde. Se nós soubermos viver de acordo com o insight da impermanência, não cometeremos muitos erros. Nós poderemos ficar felizes agora mesmo. Nós poderemos amar nossos entes queridos, cuidar deles e fazê-los felizes hoje. E não correremos para o futuro, perdendo nossa vida que só está disponível no momento presente.

Quando o Buda falou sobre impermanência, ele estava falando de insight. Ele não estava sendo pessimista, mas só nos lembrando que a vida é preciosa, que temos que entesourar todo momento de vida. Concentrando deste modo na impermanência, nos trará o insight da impermanência. Com este tipo de insight, não nos permitimos levar pelo desespero, raiva, ou negatividade, porque nosso insight nos diz exatamente o que fazer e o que não fazer para mudar a situação. Com impermanência, tudo é possível.

Sem insight, nós pensamos em poder como algo que ganhamos para nós mesmos e para nós mesmos sozinhos. Mas outro insight que nós podemos cultivar é o insight de não-eu. Não-eu não quer dizer que você não existe, significa você não é uma entidade completamente separada. Muito do nosso sofrimento nasce da discriminação entre eu e o outro e nossa noção de um eu separado.

Suponha que você seja um pai. Olhando seu filho, você verá que ele é sua continuação. Da mesma maneira que uma planta de milho é a continuação de um núcleo de milho, a criança é uma continuação do pai. O pai está lá em toda célula do filho. Pai e filho não são exatamente uma pessoa, mas eles não são exatamente duas pessoas diferentes. Se o pai pode ver isto, ele toca a natureza do não-eu. Se o filho sofre, o pai sofre, e vice-versa. Ficar bravo com seu filho é ficar bravo com você mesmo. Ficar bravo com seu pai é ficar bravo com você mesmo. Isto é muito claro. Quando você puder tocar sua natureza de não-eu, quando já não vir uma distinção entre você e seu filho, sua raiva desaparecerá. Quando você estiver em uma luta de poder, se você souber meditar no não-eu, saberá o que fazer. Você pode parar seu próprio sofrimento e o sofrimento das outras pessoas que estão na luta. Você sabe que a raiva dele é sua raiva, o sofrimento dele é o seu sofrimento, e a felicidade dele é a sua felicidade.

Quando meu braço esquerdo dói por causa do reumatismo, eu tento tomar conta dele: eu faço massagem nele e tudo o mais para trazer alívio a meu braço esquerdo. Eu não fico bravo com meu braço esquerdo. Quando tenho um estudante que sofre, que está em dificuldade, tento praticar assim. Eu não fico bravo com ele. Tento tomar conta dele como se tomasse conta de meu próprio braço; porque ficando bravo com meu estudante estaria ficando bravo comigo e não ajudaria a situação. Mas nós só podemos agir com este tipo de sabedoria depois que alcançarmos o insight de não-eu.

No Budismo há um tipo de sabedoria chamado a sabedoria da não discriminação. Não discriminação é um elemento do verdadeiro amor. Eu sou destro, assim eu faço a maioria das coisas com minha mão direita: escovo meus dentes, convido o sino a soar, escrevo caligrafia. Eu escrevi todos os meus poemas com a minha mão direita. Mas a minha mão direita nunca está orgulhosa de si mesma. Nunca diz, “Mão esquerda, você não é boa para nada! Eu tenho que fazer tudo sozinha." E minha mão esquerda não tem um complexo de inferioridade. Nunca sofre, é maravilhoso. A mão direita e a mão esquerda sempre estão em paz entre si. Elas colaboram de um modo perfeito. Esta é a sabedoria do não-eu que está viva em nós.

Um dia eu estava martelando um prego na parede para pendurar um quadro. Eu não estava muito hábil, e em vez de bater no prego, bati no meu dedo. Imediatamente, minha mão direita largou o martelo e tomou conta de minha mão esquerda. A minha mão direita nunca disse: "Mão esquerda, você sabe, eu estou tomando conta de você. Você deveria se lembrar disso." E minha mão esquerda não disse: "Mão direita, você me fez sofrer. Eu quero justiça, me dê aquele martelo!" Minha mão esquerda nunca pensa assim. Assim a sabedoria de não discriminação está lá em nós. E se nós fizermos uso disto, haverá paz em nossa família, em nossa comunidade.

Se os hindus e muçulmanos da Índia usassem a sua sabedoria de não discriminação, haveria paz. Se os israelitas e palestinos perceberem a sabedoria de não discriminação, não haverá mais guerra. Se os americanos e iraquianos vissem que são irmãos e irmãs, duas mãos do mesmo corpo, eles não continuariam se matando uns aos outros. Todos nós precisamos cultivar este tipo de sabedoria. Com este insight, podemos nos desfazer do nosso próprio medo, sofrimento, separação, e solidão, e podemos ajudar os outros a fazerem o mesmo.

Insight vem do entendimento. Podem já haver elementos de entendimento em nós, mas se não tivermos tempo para estarmos atentos e concentrados, o insight não se manifestará em nós. Precisamos criar o tipo de ambiente onde a plena consciência e a concentração fiquem fáceis. É como preparar a terra de forma que a flor que plantamos possa brotar. Insight é o tipo de entendimento que se obtém depois que você está atento. Se você se permitir se perder em lamentações sobre o passado e preocupações sobre o futuro, é difícil o insight crescer e será mais difícil de saber qual a ação certa para tomar no presente.

É por causa da ignorância que nós sofremos. Quando começarmos a tocar o insight, estaremos profundamente em contato com realidade e não há mais qualquer medo. Há compaixão. Há aceitação. Há tolerância. É por isto que nós falamos sobre insight como um tipo de super-poder. Se você tomar algum tempo para olhar para realidade usando os insights de impermanência e não-eu, terá um progresso que o liberará de seu sofrimento e suas dificuldades. Todos os primeiros quatro poderes conduzem a este quinto super-poder. E com o insight vem uma tremenda fonte de felicidade.

(Traduzido Do livro The art of power – Thich Nhat Hanh)
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