quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Bonnô Soku Bodai

O que quer dizer "Bonnô soku bodai"?

enviado por Julio Kaesar Nascimento

Bonnô soku bodai

烦悩即菩提


Os caracteres chineses, lidos em japonês como "bonnô" traduzem a palavra sânscrita "klesha"aflição (dor pelo contato, pela separação ou pelo egoísmo), ilusão (atribuição errada da natureza de um objeto), confusão (mistura imprópria de causas e condições obscuras e causas e condições iluminadas) e agitação (incapacidade de fixar a concentração nas causas e as condições libertadoras ou de libertar-se das conseqüências das causas e das condições aprisionadoras). A tradução chinesa aqui é um desses casos, não freqüentes, em que é possível definir limites muito relevantes para o significado do termo original sem alterar o espírito dos caracteres adequados. O caractere "bon"
("sofrimento" ou "tristeza" espiritual): é composto pelos radicais "chama" e "papel" ou "folha", indicando “a paixão que inflama com pouco e vai se apagando em um curto espaço de tempo" ou "agitação que se produz durante o acendimento do fogo e a perspectiva de não ser capaz de o alimentar" (com instrumentos rudimentares e com pouco material para mantê-lo vivo), enquanto que o caractere "" quer dizer um "coração demasiado próximo das chamas do infortúnio de uma má colheita”. O significado budista creditados aos dois compostos é, para o primeiro caractere, "dolorosa ansiedade para chegar" e para o segundo, "dolorosa separação” ou "a certeza de não poder alcançar." O hiato deixado entre a ansiedade dolorosa de chegar e a pena melancólica de partir é, em última análise, uma metáfora para “vida”. É uma questão - para nós budistas – que pode ser preenchida a partir do espírito de investigação e da prática do Caminho do Meio.


O falecido Tamura Yoshirô (1921-1989), um eminente sacerdote de Nitiren Shû, adversário (como Tokoro Shigemoto e outros) da leitura ultranacionalista de Nitiren e ilustre acadêmico, investiu a maior parte de sua vida a estudar esta doutrina que Shimaji expôs, chamada de “iluminação original”. Tamura, em um escrito em 1983 explicou a filosofia em questão em duas etapas diferentes.


Primeiro concebeu a idéia da não-dualidade como a mais alta expressão do
budismo Mahayana: todas as vidas individuais, vazias e sem consistência própria são percebidas e concebidas, somente se levando em conta a interdependência de todos os fenômenos. Esta posição filosófica nega qualquer diferença ontológica entre Buda e os mortais comuns, entre terra pura e existência mundana, entre o alter e o ego e assim por diante. Colapsam assim todos os conceitos relativos às convencionais distinções do mundo fenomenal.


Em segundo lugar, a aceitação da não-dualidade reporta de volta ao mundo fenomenal e ao seu caráter de distinções relativas do por que as coisas são que representa tais expressões da realidade não dual da iluminação original. Esta é a segunda razão, que mostra a formulação bonnô soku bodai
烦悩即菩提e a sua conotação: "paixões terrenas são por si só iluminação ".


A boa instrução sobre o princípio em questão exige esclarecimento para se evitar a precipitação na frouxidão moral de se agarrar apenas superficialmente ao seu significado: esta identidade não é no nível dos fenômenos, mas no nível da essência. Uma formulação mais clara do princípio exige ser expressa nesta versão: "na sua essência o bonnô é idêntico a iluminação." E quando se realiza a iluminação, percebe-se que bonnô e bodai são as mesmas coisas.


Com a perspectiva de um Buda todas as coisas deixam de ter prioridade em si mesmo, aniquila-se as diferenças e tudo se torna de igual importância. Essa perspectiva, de iluminação, pode ser realizada apenas através da prática do caminho óctuplo. Resumindo pode-se esquematizar isso da seguinte maneira:



Para as pessoas comuns:
no nível essencial: ilusões = iluminação
no nível fenomenal: ilusões ≠ iluminação

Para um Buda:
no nível essencial: iluminação = ilusões
no nível fenomenal: ilusões = iluminação



Obs.: Continua...


O que quer dizer "Bonnô soku bodai"? II

Soku é outro elemento fundamental para a compreensão do que praticar e do que esperar.

[py] jí [wg] chi [ko] chŭk [ja]ソクsoku, zoku

(1) Tornar-se um. Assim como está. Exatamente como é. Não dois, e não separados. Duas coisas diferentes na aparência, mas basicamente uma única.

(2) Imediatamente, diretamente, agora, então, de acordo com...
Dentro do termo jikansoku
时间即(igualdade num período de tempo) se refere a falta de um intervalo de tempo (por exemplo: relâmpago-trovão, ou fogo-luz) e se traduz exatamente como contemporaneidade. Na palavra ijisoku异时即(igualdade que varia no tempo) refere-se a falta de diversidade entre duas coisas distintas ao longo do tempo (por exemplo, ovo-pinto) (sansc. anantaram) ou ao atemporal.

(3) De acordo com os ensinamentos de Tientai, existem três tipos de soku. O primeiro, nibutsu sôgo
二物相合(= duas coisas em comum harmonia), conota a "não separação" de duas coisas (= duas coisas são um - chin. erwuxianghe -). O segundo significado conota a relação entre um aspecto (frente) e outro (traseira) do mesmo objeto (背面相翻haimen sôban = traseiro e dianteiro em oportunidades para a troca mútua, chin. beimianxiangfan) dois lados de uma moeda , facetas da mesma realidade. O terceiro significado, tôtai zenshi当体全是, é traduzido literalmente como " execução total de mesma essência", como o exemplo de uma fruta verde que depois se torna madura (talvez até mesmo uma tradução pode ser feita, para compreender o significado: "nosso futuro tem o mérito de nosso presente"). Nos escritos de Tientai a palavra soku veio a designar, em geral, o significado de "absolutamente idêntico".

(4) Pode-se traduzir soku como "supondo que", “se”, "mesmo que" e a palavra tornar-se-ia assim "[…] Desde que há desejos, há a iluminação, sendo assim o ciclo de vida e de morte é nirvana" sem comprometer diferentes e mais precisas traduções. Temos de compreender, em geral, casos em que em que as "implicações" acabam por se conotar mais importantes que a "tradução"… por exemplo, como uma "expressão do glossário mecânico", você pode dizer "tubo de escapamento" ou "tubo de descarga" mas o importante para uma oficina é "montá-lo, com integridade, e no local no momento certo"…

"Soku" é um conceito complexo. Existem vários significados, tanto no sentido de identidade ( "este é este outro") e "conseqüências" (este é este outro como na frase "uma vez que há fumaça há fogo").

Obs.: Continua...


O que é Bonnô Soku Bodai? (parte III)

D
iferentes escolas qualificam e quantificam os bonnô, diferenciando uns dos outros, mas, independentemente de distinção especial, na frase bonnô soku bodai, existem características que são úteis para algumas premissas lingüísticas: a língua chinesa, como a japonesa, usa partículas sintáticas que são destinadas a qualificar gênero e número dos objetos em discussão.


Por exemplo, usamos uma partícula satsu
para fascículos e, nessa perspectiva, sansatsu三册significa três fascículos. Assim se manifestam os conceitos existentes de pluralidade (três) e aqueles de interesse específico (fascículos). É realmente estranho que nenhuma partícula - para o gênero ou número - coloquem a qualificação ou a quantificação da palavra bonnô ( "bonnô soku bodai"). A frase recebe então um impulso absolutista.


Tem a mesma sorte bodai
菩提com o significado implícito de "assimilação" do bonnô烦悩… Isso quer dizer que para satisfazer a equação “desejos terrenos = iluminação” se deve assumir todos os tipos de todos os bonnô. Colocar os bonnô à "prova" de viver de acordo com óctuplo caminho e de acordo com o Sutra de Lótus é a condição necessária para obtenção de bodai (iluminação), assim como, um bronzeado exige a exposição total do corpo à luz solar e um treino muscular harmonioso e global desenvolve um físico saudável, forte e equilibrado.

Nesta perspectiva, por exemplo, ao se roubar um item dos outros não só não leva à satisfação da equação, mas carece totalmente em realizá-la. É semelhante aos que, após nadar dez milhas, afogam-se apenas a dez metros da costa não atingindo a sua "salvação" ou parte dela, mas alcança apenas o fracasso, só a conseqüência da sua própria trágica e dolorosa "morte". O argumento, apesar de ser dramático em termos lógicos e drasticamente correspondente em termos concretos, tem uma ligação direta com a vida e não com a filosofia sobre ela.



Uma discussão semelhante também se aplica à expressão shôji soku nehan, com especial atenção reservada para o fato de que a tradução literal de shôji é “vida-morte” (samsara), limpa da conotação grave e retórica "sofrimento de…" que muitas vezes a acompanha.



Em outras, talvez mais simples, palavras o nosso compromisso de melhorar, em perseguir a nossa emancipação pessoal, não pode ser esporádico ou descontínuo ao longo do tempo ou na escolha das situações em que aplicá-los… É como dizer que um policial ocasionalmente rouba alguma coisa ou extorque alguém. Como devemos julgá-lo? Policial ou ladrão? Certamente os tribunais dos seres humanos ainda não formularam uma definição híbrida. É certamente mais plausível para nós pensar que ele iria acabar por ser catalogado como "totalmente criminoso" e não como "semi-policial".



Na sociedade, também pode acontecer de tais comportamentos antitéticos serem tolerados até a descoberta da culpa, até que a tolerância acabe ou até que a complacência de quem opera e opta por suas próprias considerações acabe mas, pelo contrário, a lei da vida, o Dharma, simultaneamente imprime contemporaneamente (soku) a marca (algo semelhante a causa interna nyo-ze in如是因) dos pensamentos (i), das palavras (ku) e das ações (shin) e os frutos intrínsecos (nyo ze ka如是果). Em última instância uma vida consciente não se desenvolve a não ser através do exercício de sensibilização e uma vida inconsciente tende a se manter longe do exercício do pensamento responsável.



Uma vida equilibrada jamais poderá prescindir, sensatamente, da sucessão harmônica de três níveis: do pensamento, da expressão e da ação. Assim como o sentimento de satisfação, que poderíamos erroneamente atribuir a um dos três tempos de respiração (inspiração – retenção - exalação), não se pode declarar sustentável, se não ilusoriamente: vamos ser sempre sujeitos a inalar, exalar e reter a respiração no tempo certo, encontrando dificuldade de manter um desses estados além do tempo permitido pelas funções fundamentais da nossa capacidade pulmonar, do treinamento recebido e das condições físicas e ambientais concomitantes (eshô funi依正不二e / ou engi縁起).



Obs.: Continua...